14 – Santidade: a ousadia de “deixar-se conduzir”
“Era conduzido por caminhos antes inimagináveis…”.
Na vida de um santo, mais que contemplá-lo na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o conduz.
“O santo é aquele que é humano por excelência”.
Um santo é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um santo ultrapassa nossa estatura.
Algo de “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos.
Uma imagem, modelo e diretriz se apresenta à consciência das pessoas e comunidades.
Os santos cristãos são personagens de limiar, de fronteira…; são pessoas de atitude excêntrica: é sempre o Outro quem os conduz.
O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza humana.
“Neste tempo Deus o conduzia da mesma maneira que um mestre de escola conduz um discípulo: ensinando-o” (S. Inácio – Aut. 27).
“Sereis santos, porque eu sou SANTO” (Lev 11,45).
Ser santo é ser dócil para “deixar-se conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.
Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.
“Inácio seguia o Espírito, não se adiantava a Ele. Deste modo era conduzido com suavidade para onde não sabia. Aos poucos o caminho se lhe abria e o percorria sabiamente ignorante, colocando, simplesmente, seu coração em Cristo” (P. Nadal).
“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e que impulsionará sem limites. É colocar-se na disposição espiritual por excelência de “dejarme llevar hasta ponerme com el Hijo en la Cruz” (S. Inácio). É também uma ousadia porque a pessoa confia cega e descansadamente na força do Senhor que não falha.
Nesse processo, o santo se converte em teóforo, alguém que tem sua natureza transformada na do Deus que o habita. Seu comportamento no mundo é imagem fiel do comportamento do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão…
Ser inaciano/santo é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Por isso, a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista… ela não sucumbe às idolatrias do progresso, da eficiência, da produtividade…
O mundo moderno exige uma nova forma de santidade: a santidade da “vida cotidiana”, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos cotidianos.
Surge a imagem de um santo que é filho do momento e da situação presente… cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua correspondência à Vontade de Deus expressa na situação concreta.
O inaciano que passou pela experiência dos Exercícios, é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para o mundo, é um biófilo (amigo da vida); é um co-operador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação.
Diante de uma realidade que ameaça o ser humano pelo anonimato, pelo artificialismo, pela massificação, o santo da atualidade restaura a inviolabilidade do “sacrário” mais íntimo da existência individual seu núcleo original enquanto pessoa: o diálogo com Deus. Um diálogo que se dá dentro do mundo, não para negá-lo, mas sim para injetar no interior das veias deste mundo a Graça transfiguradora da Caridade.
Textos bíblicos: 1Tes 4,1-12; Ef 1,3-14; 1Cor 1,1-9; Col 1,3-13; 2Tim 1,6-12; Col 1,21-23.
Na oração: S. Inácio nos recomenda verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem? por quê?