4 – “Esses cristãos de mãos limpas”
“Quando o Deus da história vier, olhará nossas mãos”
Menapece
Nos Evangelhos há um conflito permanente entre Jesus e as “autoridades religiosas”, grupo de piedosos observantes da lei e marcados por um rigorismo religioso auto-centrado; vamos contemplar o relato onde eles acusam os discípulos de Jesus comem com “mãos impuras”
Na realidade, líderes religiosos tem “mãos limpas” porque não as usam para o serviço aos outros; são “mãos assépticas” porque não se “contaminam” no contato com as pessoas. Eles se mostram incapazes de ver as mãos como mediação para uma nova humanização, reduzindo-as e atrofiando-as devido a seus esquemas religiosos e morais. Suas mãos carregam censuras, traficam destruição, encarnam a falsidade… Suas mãos são temidas porque fecham o futuro, excluem e espalham o medo, pesam porque julgam…
O coração é o lugar onde o ser humano se revela. As mãos são expressão daquilo que está presente no coração; um coração cheio de ternura, bondade, compaixão… se expressa através das mãos ternas, bondosas, compassivas, que praticam a partilha… Um coração cheio de violência, arrogância, ambições, malícias… se expressa através de mãos violentas, maliciosas, fechadas… As mãos… o espelho da alma.
O ser humano vale pelo que vale seu coração, isto é, por aquilo que deseja, busca e ama desde o mais profundo de si mesmo. É no coração – no mais íntimo de seu ser – que o ser humano acolhe ou rejeita Deus e os outros. É o coração transformado que dirige a mão santificada, delicada. É o coração agradecido que transforma as mãos em instrumentos de graça.
Podemos fazer e dizer muitas coisas com nossas mãos. Admiramos as mãos dos artistas, as mãos curativas dos médicos, as mãos terapêuticas de quem transmite energia libertadora, as mãos de uma mãe que amassam o pão e acariciam, as mãos eloquentes dos mudos, as mãos calejadas do trabalhador, as mãos daqueles que abençoam, servem, partem e repartem…
As mãos estão sempre associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração aos sentimentos.
As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de formas: mãos que levantam para abençoar, mãos que baixam para levantar o caído, mãos que se estendem para amparar o cansado. São como as mãos de Deus que criam, que guiam, que salvam… Quando estendemos os braços e as mãos e tocamos o outro espontaneamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em todos nós.
As mãos são o instrumento mais universal de que o ser humano dispõe. Além de instrumento, as mãos são ainda meio de comunicação entre pessoas de línguas diferentes. Através das mãos comunicamos energia, nosso coração.
Benditas são as mãos que se abrem, que quebram resistências e preconceitos; benditas são as mãos carregadas de entusiasmo e que apontam para um horizonte. Somente uma mão aberta está em condições de fazer-se encontro, de apertar, de acolher, de cuidar; somente uma mão aberta se transforma em promessa de novo encontro.
Mas também, através das nossas mãos, podemos comunicar algo maior que nós e que não nos pertence.
Encontramos esta expressão em diferentes tradições religiosas: “a Mão de Deus”. Algumas vezes podemos nos sentir guiados, como se tivéssemos uma Mão pousada em nosso ombro, nas nossas costas, para nos fazer avançar, para nos manter de pé. Na nossa mão há a Mão da Vida; podemos trabalhar e cooperar com esta Mão. Nossas mãos são o prolongamento da Mão providente e cuidadosa de Deus.
Mas a mão é um órgão extremamente flexível: pode acariciar ou agarrar; pode golpear ou sustentar; pode puxar ou tocar delicadamente… Temos mãos que saúdam ou aplaudem e felicitam o que é bom nos outros; mãos que perdoam ou se abrem para compartilhar, mãos que levantam o caído, sustentam o fraco, curam o enfermo. Sem paternalismo que alimenta o ego de quem dá e humilha a quem recebe.
Também temos punhos fechados, agressivos, violentos, assassinos.
Quando estendemos os braços e abrimos as mãos para o serviço espontaneamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em todos nós.
Há mãos que nos machucam, nos coisificam; e há mãos que nos pacificam, nos curam e até nos divinizam (imposição das mãos). A partir da experiência de fé podemos recuperar a dimensão da mão servidora como possibilidade de viver de forma mais humanizadora e plena. A comunidade cristã… um conjunto de mãos unidas. Os cristãos curam feridas, enxugam lágrimas, repartem carícias, prestam serviços.
As mãos abertas nos fazem mais humanos, nos ajudam na descoberta dos outros, fazem palpável o amor fraterno, nos ajudam a reavivar e sentir a força da Mão do Criador.
Textos bíblicos: Mc 1,40-45; Mc 7,1-8