10 – Lava-pés: para uma “Igreja da toalha”
“Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos”
Manoel de Barros
O gesto do “lava-pés” é paradigmático para todo seguidor de Jesus Cristo; constitui um dos gestos mais expressivos da missão e da identidade para aqueles que exercem algum serviço em sua comunidade.
É revelação e ensinamento. É amor e mandamento. É gesto-vida, gesto-horizonte, gesto-luz…
Não podemos amar alguém e olhá-lo de cima. Não se trata também de se “humilhar”, de se colocar “abaixo” de seus pés, mas de cuidar de seus pés para que esse alguém possa se manter de pé, para que ambos possam estar face a face e caminhar juntos.
Jesus sabia que seus discípulos tinham pés frágeis, pés de argila. Amar alguém não é querer que ele fique deitado a seus pés, mas é querer que ele se mantenha de pé em toda sua grandeza, na plenitude de sua grandeza. Amar alguém é querê-lo com os pés “livres, leves e soltos”. Lavar os pés é gesto de humanização e gesto humanizante. É devolver ao outro a dignidade e capacidade de dar destino à sua vida.
O Evangelho de S. João substitui a instituição da Eucaristia pelo Lava-pés – Jo 13,1-17
Ali, Jesus “despoja-se do manto” (sinal de dignidade do “senhor”) e pega o avental (toalha, “ferramenta” do servo). Ele está no meio dos seus como Aquele que serve.
“Despojar-se do manto” significa “dar a vida” sob a forma de serviço.
Jesus coloca toda a sua pessoa aos pés dos seus discípulos. O Criador põe-se aos pés da criatura para revelar como ela é amada e como deve amar.
“Levanta-se da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de partida e de chegada; mesa que projeta para o serviço e mesa que faz memória festiva, mesa do encontro
Audaciosa inovação que dirige o gesto eucarístico para a revolução das relações humanas: a presença do Senhor se converte em capacidade para servir; a autoridade não se exerce submetendo o outro, mas possibilitando que o outro “seja”.
Jesus deixa transbordar os segredos de seu coração. Ele revela o rosto de Deus, que é Amor.
Com este gesto ousado Jesus quebra toda e qualquer expressão de poder e submissão entre os humanos.
A cena do lava-pés revela profundidade e delicadeza, mútuo dom e acolhimento, comunhão e pressentimento. É um gesto profético, repleto de generosidade e de humildade.
Ninguém serve a Deus, a não ser do jeito de Jesus, isto é, lavando os pés, amando até o fim.
Nosso Deus não é prepotência, mas condescendência. É o Criador que se põe aos pés da criatura.
Nosso Deus é um Deus que “desce”, que se “inclina” para acolher.
Mistério da Encarnação: Deus abraçando e sendo encontrado junto aos pés dos seus filhos.
“Tal Cristo, tal cristão”: na vivência do serviço evangélico, somos chamados a vestir o “avental de Jesus”.
“Vestir o coração” com o avental da simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, da presença atenciosa, do serviço desinteressado…
O que é “tirar o manto?” Para nós o “manto” poderia ser nossa máscara, nossa redoma, nossa capa de proteção que nos distancia dos outros…; é tudo aquilo que impede a agilidade e a prontidão no serviço… “Tirar o manto” é a atitude firme de quem se dispõe a “arrancar” tudo o que possa ser empecilho para melhor servir; é mover-se, despojado, em direção ao outro; é optar pela solidariedade e a partilha; é renovar a vontade de “incluir” o outro no nosso projeto de vida.
Precisamos “levantar-nos da mesa” cotidianamente. Há sempre um lar que nos espera, um ambiente carente, um serviço urgente. Há pessoas que aguardam nossa presença compassiva e servidora, nosso coração aberto, nossa acolhida e cuidado amoroso…
Ora, se não nos livrarmos do manto, tornar-se-á difícil realizar gestos ousados, criativos…
Sempre teremos “pés” para lavar, mãos estendidas para acolher, irmãos que nos esperam, situações delicadas a serem enfrentadas com coragem… A mesa da vida aponta para a direção da gratuidade, da alegria, do convívio, do amor e da comunhão. É preciso “sentar à mesa” para renovarmos as forças e redobrarmos a coragem de nos levantar e, na humildade, sem manto, servir com amor, do jeito de Jesus.
“Levantar-nos da mesa” – “sentar-nos à mesa”: movimento de partida e de chegada; prolongamento do gesto provocativo e escandaloso de Jesus. Isso é viver a Eucaristia no cotidiano da vida.
Na oração: Como posso vivenciar, no cotidiano, o serviço e o cuidado revelados no gesto do lava-pés?