7 – “Contemplar a significação das palavras” (EE. 249)
“O silêncio não difere da palavra interior”
(L. Lavelle)
As palavras têm uma significação que, quando nos detemos de uma maneira contemplativa para perceber o seu sentido, começa a acontecer.
Como na contemplação evangélica ou na contemplação de uma paisagem, vem uma série de associações, de sentimentos, de ideias, que nos fazem aprofundar no sentido que essas palavras têm na nossa vida.
Guimarães Rosa definia o poeta “como aquele que pede esmola às palavras” para poder dizer aquilo que ele quer transmitir aos outros.
“Pedir esmolas às palavras” para ir entrando no significado, ir entrando no sentido que elas têm, ou que elas querem nos transmitir, sobretudo se são palavras que o próprio Jesus utilizou e utilizou com um sentido vital. A Palavra de Deus é Vida e temos que ver como esta Palavra nos revigora, nos revitaliza.
O orante é aquele que pede esmola às palavras do Evangelho ou, pede esmola às palavras de alguém que viveu o Evangelho de uma maneira intensa, de uma maneira autêntica, como foi S. Inácio.
Deus é Palavra e Silêncio
Há uma palavra que brota do silêncio, a Palavra que é o começo do mundo.
Esta Palavra não pode ser produzida; ela não nasce nem das nossas mãos e nem dos nossos pensamentos.
É fácil distinguir a Palavra das palavras. Quando a Palavra se faz ouvir, o corpo inteiro estremece e sabemos que o mistério do nosso ser nos falou, das profundezas do coração.
Esta é a essência da poesia: retornar à Palavra fundadora, gerada no abismo do silêncio.
“Não me importa a palavra, esta corriqueira. Quero é o esplêndido caos de onde ela emerge, os sítios escuros onde ela nasce”. (Adélia Prado)
Os místicos e os poetas sabem que o silêncio é a nossa morada original.
Eles buscam as palavras que moram no silêncio.
O Tao Te Ching diz que “as dez mil coisas”, aquelas que compõem o mundo das nossas rotinas diárias, são filhas das palavras.
Mas o “Inefável”, que “não pode ser dito”, “é o início dos céus e da terra”.
Falamos “palavras” a fim de não ouvir a Palavra que brota do silêncio.
Muitas palavras para exorcizar a Palavra. Há uma Palavra que só pode ser ouvida quando todas as outras palavras ficarem mudas.
A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler entre as linhas.
“Um silêncio é como um lago, uma superfície lisa e compacta. Dentro, submersas, as palavras aguardam”. (Octávio Paz)
O silêncio é o espaço onde as palavras nascem e começam a se mover.
No silêncio ocorre uma metamorfose. As palavras se tornam selvagens, livres. Elas tomam a iniciativa.
E só nos resta olhar e escutar. Elas nos vêm de um outro mundo, que começa com a Palavra.
Os lugares comuns e as rotinas se transformam em transparências, e podemos perceber milhares de sentidos; um mundo que não havíamos visitado antes. Talvez seja ele o lar do nosso ser, onde nascemos. Cada poema, cada contemplação é um testemunho deste mundo perdido.
S. Inácio usa, frecuentemente, esta expressão: “Reflectir en mi mismo”.
Trata-se de se prostrar diante da cena bíblica como um espelho com cem olhos; fazer visível e luminoso a cena contemplada; deixar falar a verdade do relato bíblico.
Mas para que isto aconteça é preciso que o espelho esteja vazio de palavras.
“Contemplar a significação das palavras” é um mergulho no lago luminoso, um atravessar do espelho, para longe do engano da superfície dos reflexos, para dentro das profundezas onde as palavras nascem e vivem.
“Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intacta.
Chega mais perto e contemple as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?” (Carlos Drumond de Andrade).
Texto bíblico: Sab 7,15-30.