5 – “Calar” de Deus hoje
“Procurai novas palavras para dizer a Palavra,
novos pensamentos para pensá-la”.
“Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há de a gente perdidos no vaivém, e a vida é burra… Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma!” (Guimarães Rosa)
Na literatura bíblica, uma das páginas mais poéticas é a do Salmo 138(139). O Deus Insondável. O Deus da eterna busca. “Aquele que se esconde: Deus Absconditus…”
Aquele que sussurra ao coração: “… tu não me buscarias se eu não estivesse escondido…”
Este Deus que nos faz sentir uma nostalgia do futuro, que nos incomoda no mais profundo de nós mesmos quando tentamos nos acomodar e forjamos nossas falsas seguranças: poder, status, riqueza…
Deus sempre foi, e é hoje, o mais intrigante e inquietante objeto do desejo. Há uma infinidade de intermediários oferecendo ao mercado da credulidade o produto divino em variadas embalagens.
O que se busca não é ouvir falar de Deus, falar sobre Deus ou mesmo falar a Deus.
Busca-se, sobretudo, deixar que Deus rompa o seu silêncio e fale no íntimo de cada um.
Como Jó 42,1-6, as pessoas já não querem conhecê-lo por ouvir falar, mas sim poder dizer: “Eu te conhecia só de ouvir. Agora, porém, os meus olhos te veem”.
Esta experiência de Deus é a mais radical nostalgia humana. Estamos todos, sem exceção, em busca dela, embora por caminhos e justificações diversas.
Na tentativa de definir o Indefinível, buscamos outras formas de linguagem, como os símbolos, a poesia, o mito, a arte, cujo sentido ultrapassa as palavras e, como setas, apontam para o que está além, para o mistério.
Mesmo para aqueles que creem, Deus jamais deixará de ser um insondável segredo, que o coração deve admirar em discreta intimidade e a razão, contemplar em íntima discrição.
Tão próximos estamos de Deus e, no entanto, tão longe.
Ele não é um teorema cuja compreensão está reservada apenas a uns poucos privilegiados.
Mas, de Deus, mais do que isto também não temos: raras palavras e largos silêncios.
Se é este o modo como Deus nos fala, não deveria ser também este o modo de falarmos com Deus e com Ele?
Uma linguagem humildemente mais próxima da sobriedade e do silêncio do que do “palavreado crônico”.
Bem mais perto da quietude do coração e da sensatez da razão do que das emoções violentas e de uma racionalidade desregrada e leviana.
Frente ao Absoluto, nosso pensar, quase sempre, mantém um certo pudor e confessa os limites de suas possibilidades de conhecimento.
“Dizemos, pois, de Deus não o quanto convém, mas o quanto capta a natureza humana e o quanto consegue carregar a nossa imbecilidade… acerca de Deus, o máximo conhecimento é confessar a própria ignorância” (Cirilo de Jerusalém).
No entanto, há em nós uma inquietude permanente diante do mistério de Deus.
“Esta inquietude, o que é? O vazio de uma esperança?
As saudades de um por-vir? Os sonhos de eternidade? O infinito em nós?” (F. Prudente Nery).
Tal inquietude, esse misterioso hóspede do coração humano, revela-se indebelável. No meio das coisas relativas, a busca do Absoluto, às vezes silenciosa, às vezes desesperada, segue adiante.
Como encontrar o Absoluto, o repouso de nosso humano desassossego?
A razão última da experiência de Deus é que os homens sejam transportados e colocados diante de Deus, experimentando, em si mesmos, sua graça que conforta, sua força que revigora, sua presença que encanta e seu mistério que fascina. Um dia, o obscuro cederá seu lugar à claridade e a fé e a esperança descansarão nos braços do Amor. E aí saberemos: “o que buscávamos não era confuso, mas apenas envolvente: longe e perto e dentro de nós, Deus que é nosso Pai e nosso Irmão e nossa Vida. E só aí seremos nós mesmos, finalmente homens: junto de Deus, porque metade de nós é o que somos e a outra metade, o Mistério” (F. Prudente Nery)
Na Oração: aprender a estar em silêncio no próprio coração e mergulhado na imensidão do Além-de-nós.
“O Senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais” (G. Rosa)