3 – A “ousadia” da escuta
“Deus não fala ao homem enquanto este não consiga estabelecer
o silêncio dentro de si mesmo”.
Vivemos num mundo marcado por ruídos externos e internos.
Carregamos o ruído dentro de nós
– em nosso corpo: tensões, pressas, nervosismos…
– em nossa mente: “falatório crônico”, confusão mental, perturbação…
– em nossa afetividade: sentimentos negativos, feridas, tristeza… angústia…
Também a nossa oração segue o ritmo dos ruídos… passa a ser não uma oração de escuta, mas um “falatório interior”, onde Deus não tem como manifestar sua voz.
Acontece, normalmente, que o espaço da oração se vê invadido por um monólogo interior carregado de auto reprovações, censura, exigências, críticas que se faz em função da autoimagem, acusações…
A oração se converte em algo incômodo e hostil; ela passa a ser o lugar do “deveria”, “teria”…
Desta maneira, a pessoa não se situa corretamente na presença de Deus e nem se relaciona sadiamente consigo mesma.
Daí a necessidade, primeiramente, de silenciar o ruído-nocivo, o ruído-obstáculo… através da “escuta amistosa”, ou seja, uma atitude positivamente amorosa para consigo mesmo, sentir-se valioso aos olhos de Deus, sem julgar-se avaliar-se…
Esta “escuta amorosa” é a base para uma sadia oração e se traduz numa autocompreensão carinhosa, cálida, criativa… Só assim, sem defesas e juízos, brotará sua palavra, seu silêncio, sua escuta…
Entrar em contato amistoso consigo mesmo na oração é deixar transparecer a ação de Deus Criador, Libertador; é ver a si mesmo como fruto da criação amorosa de Deus.
A “escuta amistosa” de si mesmo conduz à “escuta comprometida” do Deus da Vida.
“É melhor pôr o coração na oração sem encontrar palavras do que encontrar palavras sem pôr nelas o coração” (Gandhi).
A experiência profunda de Deus só será possível quando houver uma integração e uma harmonização de todos os níveis (corpo, mente, afetividade, coração) com a fonte da Vida: Deus. E isso, através da experiência e vivência interior de recolhimento, pacificação, silêncio, unificação, oração e contemplação.
Precisamos do silêncio; precisamos viver no silêncio e a partir do silêncio: silêncio pleno, transparente e transformante; silêncio comprometedor que nos revela Deus e “toca” o mistério de nossa vida…
Silêncio que possibilita a descoberta da riqueza do nosso ser e da presença do Senhor no nosso “eu” mais profundo. “Sim, levá-lo-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração” (Os 2,6).
Quem não sabe escutar durante muito tempo e com paciência, falará sem verdadeiramente “tocar” o outro, sem convencer a si mesmo… Quem crê que seu tempo é muito precioso para ser perdido na “escuta”, não terá tempo para Deus e para o irmão, mas sempre e somente para si mesmo, para suas próprias palavras e preocupações…
Nós cristãos esquecemos que o dever de escutar nos foi dado por Aquele que é o “ouvinte” por excelência, em cuja obra nós somos chamados a colaborar.
Devemos escutar com ouvidos de Deus a fim de que nos seja dado falar com a Palavra de Deus.
Passos para a oração:
1. Começando: escolha um lugar e uma posição corporal que lhe permitam concentrar-se. Feche os olhos e tente sentir a presença de Deus (aqui, ajuda prestar atenção ao ritmo da própria respiração; não tenha pressa; gaste tempo neste silenciar-se).
Reze alguma oração que você saiba de cor.
2. Conversando: leia, pausadamente, o texto bíblico indicado. Aqui Jesus revela o seu jeito de amar, de se solidarizar e de servir.
Ele “abre” os ouvidos para a escuta.
3. Textos bíblicos: Mc 7,31-37; Is 50,4-9.
4. Reconstrua com sua imaginação esta cena. Veja as pessoas, escute as suas palavras, observe o que elas fazem; envolva-se na cena… deixe-se “afetar” por ela…
5. Avaliando: dê atenção aos sentimentos mais fortes…