31 – Temor e encanto do silêncio
“Eles roubaram nosso silêncio”
(Dalai Lama, falando da invasão do Tibet pelos chineses)
Se no princípio estava a Palavra, é claro que, de nossa parte, no início da nossa história de salvação deve estar o silêncio: o silêncio que escuta, acolhe, se deixa animar…
Certamente, diante da Palavra que se manifesta, deve corresponder logo nossa palavra de gratidão, de adoração, de súplica; mas o silêncio é o primeiro.
Necessitamos do silêncio verdadeiro, cheio de uma Presença, atento à escuta, aberto à comunhão.
O ser humano contemporâneo teme o silêncio interior porque este o conduz às perguntas essenciais e a encontrar-se com os dilemas de sua própria fragilidade.
Nada mudou tanto a essência do ser humano quanto a perda do silêncio. Ele vive como que expulso de si mesmo, confundido com o tumulto interior; assim, torna-se prisioneiro de seus apetites, de suas funções, de seus costumes, de suas relações, do mundo que o distrai. É vida imediata, sem memória, sem projeto, sem domínio. É a expressão mesma da exterioridade e da vulgaridade.
O desespero, o vazio experimentado por tantos contemporâneos nossos revela que o ser humano provavelmente despojou-se de uma dimensão essencial de si mesmo: a “perda do silêncio”.
Como ser ele mesmo, sem ganhar altura ou chegar à profundeza, sem fazer silêncio?
O ser humano que não integra mais o silêncio, não perde apenas uma arte de viver, uma qualidade de vida, mas um componente estrutural de seu ser profundo.
A vida pessoal e autêntica começa com a capacidade de romper o contato com o meio, de “re-tomar-se”, de voltar a apreender, tendo em vista centrar-se, unificar-se.
Nesta experiência vital se fundam os valores do silêncio e do retiro. As “distrações” de nossa civilização minam o sentido do descanso, o gosto do tempo que transcorre, da paciência da obra que amadurece…
O silêncio desperta as “vozes interiores” que logo serão escutadas apenas pelo poeta e pelo místico.
O silêncio é um componente indispensável da experiência espiritual, desde que não seja um silêncio de orgulho e ausência, mas um profundo desejo de recolhimento.
Deus sempre fala e mesmo seu silêncio é Palavra
Todos os atos de Deus são Palavra; o primeiro ato da Palavra, seu ato fundamental, é a Criação, e especialmente a criação de um ser capaz de palavra (o ser humano).
No Paraíso, Deus e o homem se falam, se escutam mutuamente e se respondem. Nem mesmo o pecado interrompe o diálogo, e o homem continuará falando a seu Deus.
O silêncio abre-nos à Palavra de Deus que toca nosso coração pelas palavras do Cristo e a inspiração do Espírito. O silêncio não é, pois, ausência ou recusa da palavra, e sim acolhimento de toda palavra interior onde deveria enraizar-se a palavra exterior.
“As almas são avaliadas no silêncio, como o ouro e a prata são avaliados em água pura, e as palavras que pronunciamos só tem sentido graças ao silêncio no qual se banham” (Maeterlinck).
Se a palavra não for como que entrecortada de silêncio e envolvida por ele, torna-se um amontoado de vocábulos. Sem o silêncio que a precede e que a segue, a palavra humana tornar-se-ia um som insuportável. O silêncio concede a cada palavra sua densidade e cor própria.
Não é sem razão que, na tradição bíblica, o silêncio precede ou sucede à Palavra. Ele esclarece, a seu modo, o diálogo entre Deus e o homem. As cenas de “teofanias” ou de manifestações de Deus são muitas vezes envolvidas por um imenso e respeitoso silêncio.
“O Senhor está em seu santuário sagrado: silêncio em sua presença, terra inteira!” (Hab 2,20).
“Oxalá ficassem calados! Seria o melhor ato de sabedoria” (Jó 13,5).
E o anúncio das intervenções de Deus em favor de seu povo está, muitas vezes, associado a um convite para pôr-se em estado de expectativa silenciosa (Sf 1,7; Is 41,1; Zc 2,17; Ap 8,1).
“No princípio a Palavra era Deus” e esta Palavra estava como que envolvida numa silenciosa plenitude.
“Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite mediava o seu rápido percurso, do alto do céu, a Palavra onipotente lançou-se do trono real, como guerreiro implacável” (Sab 18,14-15).
O silêncio envolve e precede a Palavra revelada. Ontem, como hoje, a palavra não pode “nascer” no coração do homem e da humanidade, senão através de longa, secreta e silenciosa maturação.