27 – Silêncio:
enraíza, fortifica e purifica a ternura do coração
O silêncio é todo um processo de acalmar ruídos, sossegar a própria palavra, até chegar à escuta, no interior da pessoa, da mensagem de todos os seres e do Ser em todos os seres;
– um vazio, não cheio de coisa alguma, mas pleno de presenças que estão aí, mesmo quando não lhes damos atenção;
– não é uma fuga da realidade nem da dureza da luta diária para domesticá-la; é antes, um mergulhar no mais profundo da realidade;
– uma viagem ao interior das coisas, das pessoas e da vida;
– um renunciar a borboletear na superfície das mesmas.
O silêncio é difícil. É necessário experimentá-lo periodicamente para alcançar o re-encontro conosco mesmo, com o nosso ser pessoal, centro de decisões.
É, antes de mais nada, defesa necessária da pessoa e da personalidade diante dos ataques, que nos chegam continuamente do exterior.
A liberdade pessoal reconquista-se a partir do nosso interior, palmo a palmo. Nesse combate, o silêncio é a atmosfera imprescindível para soldar as fraturas da pessoa, desconjuntada pelas contradições.
O silêncio nos deve mover a vontade de ser livres e de experimentar esta liberdade.
É necessária a familiaridade com o silêncio da “contemplação para alcançar amor”, para sermos apóstolos, capazes de acolher, educar e redimir as pessoas.
O silêncio é distância necessária para quem tem de caminhar pela história e há de fazê-lo, não às cegas, mas discernindo com lucidez.
“Uma experiência não refletida é uma experiência não vivida”.
É preciso, ao mesmo tempo, presença e distância da realidade para contemplá-la em seu contexto de relações com outras realidades humanas e divinas.
Descobrir todas as dimensões da mesma, e nela a presença do Deus da história.
O silêncio é acolhida necessária do Dom de Deus que se nos dá na vida. Mesmo dando a própria vida, não damos nada, apenas devolvemos. Por isso, é preciso dá-la, cada dia, gratuita e generosamente:
“Tomai, Senhor e recebei…”
Silêncio que acolhe para dar, como Maria na Encarnação.
Silêncio admirativo, admirador de tudo o que é vida, lá onde estiver.
“A capacidade de admiração é um dos sintomas mais claros da juventude de espírito”.
O silêncio é reduto de deserto interior portátil, lugar de encontro pessoal com Deus.
Não é um luxo, é um direito a ser pessoa.
Pertence à dimensão pessoal profunda, purificada do risco de cair na dimensão individualista.
A comunidade apostólica se forja a golpes de silêncio, convenientemente compartilhados.
É uma maneira de se dizer o respeito à necessária intimidade do outro e de convidá-lo a entrar nela.
O silêncio é também uma forma de palavra cristã necessária, diante do mistério, diante da dor própria ou alheia, diante da violência e da injustiça, que se infringe a outros e a nós.
O silêncio nos leva a não só ser a voz dos que não tem voz, como também a compartilhar, às vezes, o silêncio dos que não tem voz, como o Servo de Javé.
O nosso silêncio não se identifica com o do monge.
O nosso silêncio é o silêncio daquele que discerne a ação de Deus e a própria caminhada no mundo.
É o silêncio do apóstolo comprometido, por missão, com o ser humano e sua história.
“Não desperdicemos a Boa Nova com palavras que não tenham nascidas do silêncio” (P. Arrupe)
“Mergulhe regularmente no silêncio que o presenteará leveza de alma. Assim renascerá para a criatividade que fecunda o trabalho e embeleza o lazer. Na atitude de silenciar acontecerá o encontro consigo mesmo, e as coisas revelarão em sua roupagem milagrosa, mergulhando-o em admiração. E será firme o seu caminhar, suave o seu jeito de ser” (F. Cláudio Van Balen).