23 – Silenciar para “descer” às raízes
“A árvore do silêncio nos dá o fruto da paz”
(Aforisma árabe)
Na realidade atual, a profundidade é a “dimensão perdida”.
Essa profundidade é precisamente o encontro de cada um consigo mesmo, com a comunidade e com Deus. Todos nós temos uma necessidade vital de silêncio. E Deus concede a cada um a forma de “solidão” ou de “deserto” que lhe é necessária.
Aquele que deseja “fazer silêncio”, para escutar Deus e unificar sua vida, deve aprender a descer, mesmo em pleno centro urbano, ao “deserto interior” de seu coração, onde tem encontro marcado com Deus.
“Descer” ao mais profundo de si mesmo e descobrir a própria pessoa. “Entrar” em si mesmo e encontrar-se aí com a pessoa do irmão e da comunidade. “Na verdadeira solidão os outros estão mais presentes que nunca” (Zubiri).
“Entrar” em si mesmo e aí encontrar-se com Deus. Segundo S. Agostinho: “Deus é mais íntimo a mim do que minha própria intimidade”. E tirava a conclusão: “Desce a ti para subires a Deus”.
O silêncio diante de Deus é como a pobreza evangélica de espírito. Escuta em silêncio somente aquele que não é rico, que não é auto-suficiente. Porque orar é admitir Deus em nossa vida, e, para isso, o estorvo maior é a falta de lugar para Ele – o estarmos cheios de nós mesmos.
O silêncio da oração cristã é escutar o Outro enquanto Outro, isto é, no que Ele tem de diferente, de surpreendente, de inesperado.
O silêncio é renúncia a pré-juízos, a pré-conceitos, a pré-supostos, e o esforço para calarmos a nós mesmos, a fim de que o Outro possa entrar em nós, sem que nós O filtremos, O adaptemos e O acomodemos, usando-O segundo o nosso gosto.
Calar-se para escutar.
Mas também calar-se para dizer com verdade a própria palavra. Às vezes, o silêncio é a melhor oração e a palavra mais clara – como diante da dor ou na presença do mistério.
Outras vezes, do silêncio brota a palavra. O importante não é falar muito, mas dizer a Deus algo pessoal.
O silêncio cria espaço para acolhimento, onde a palavra é fecundada pela nobreza de respeito e esperança. “Nas vossas orações não multipliqueis as palavras, como fazem os pagãos” (Mt 6,7).
Quando S. Paulo fala da oração que o Espírito diz dentro de nós, resume todo o seu conteúdo numa só palavra cheia de densidade: “Abba, Pai!” (Rom 8,15).
O silêncio não é ausência de comunicação. Justamente do silêncio surge a comunicação mais válida.
O silêncio é concentração, imersão em si mesmo, unificação de todos os níveis do ser, porque na dispersão de si mesmo não se pode dizer nada que valha a pena.
É como o silêncio daquele que admira, que contempla, que ama, que está criando uma obra de arte; daquele que se sente na presença de algo que o ultrapassa, daquele que espera, do solista que diz sua palavra musical sozinho e concentrado…
É nessa atmosfera que se dá a experiência íntima e pessoal que se chama oração.
Tudo isso não significa um convite a desligar a oração da vida, nem a fugir para o deserto.
Quando a oração não tem a cor da vida (com suas preocupações, urgências e compromissos), a vida não costuma ter a cor da oração (com sua força estimulante e sua profundidade cristã).
Nossa vida continua sendo atividade, compromisso e, muitas vezes, palavras.
Mas é possível alguém ser ativo e, também, contemplativo. “Contemplativo na ação”. Com a capacidade de “descer” às profundezas de si mesmo.
Justamente porque em nossa vida há muito trabalho e cansaço, precisamos de silêncio e profundidade em nossos momentos de oração.
Se alguém sabe “caminhar para dentro”, superando a avalanche de palavras do mundo de hoje, pode chegar à unidade de si mesmo, ao encontro com Deus e ao compromisso em favor do irmão.
Seria uma lástima se terminássemos nossa oração tendo dito muitas “palavras” mas não tendo percebido que Alguém nos falara, sem termos dito uma palavra que brotasse do fundo do nosso eu, sem termos notado que o Espírito estava presente, ali.
Na oração: “Senhor, no silêncio, ondulação de vosso mistério, eu me faça receptivo a novas bênçãos”.