22 – Silenciar é oportuno
“Temos que esperar em silêncio, até que ele se faça ouvir = Ad…Vento…Graça”
Silêncio de quem caminha, aberto aos sons do bosque. Silêncio de quem sobe a montanha em pleno esforço.
Silêncio de quem contempla o pôr-do-sol sobre o lago. Silêncio eloquente dos companheiros ao redor do fogo…
Quem tem a audácia de sair com uma mochila às costas para novos horizontes, é, por natureza, amigo do silêncio. Porque soube calar-se fisicamente, também descobriu o valor do silêncio em si mesmo e sabe que isto não se consegue com facilidade.
Quem precisa transportar consigo os ruídos e as luzes da cidade, porque não sente essa capacidade de enfrentar o silêncio, não chegou ainda a entender nada da mística essencial que tem o verdadeiro peregrino. Identifica-se com aquele que enquanto atravessa o bosque fala em voz alta e produz toda sorte de ruídos desnecessários para não encontrar-se consigo mesmo nem com o secreto canto da natureza. Faz calar a mensagem que traz o rio em sua cachoeira, faz-se surdo à linguagem do vento, não escuta o chamado de seu próprio coração repousado…
O primeiro passo para a verdadeira sabedoria é saber fazer silêncio em si mesmo.
Só ao preço do silêncio descobriremos a vida do bosque e da montanha, do mar e dos campos. Essa descoberta que nos enriquece, ficará sempre oculta para o turista ou o acampado domingueiro que leva consigo rádio e alvoroço, porque não pode viver sem eles.
Nossa civilização vive mergulhada no ruído. Não pode encontrar-se a si mesma porque é incapaz de suportar o silêncio.
O ser humano moderno procura encher-se de coisas que acredita necessárias mas não se dá conta de que continua vazio e enfastiado. Os ouvidos estão constantemente captando sons mas já não sabem escutar. E assim passa seus dias mergulhado num oceano de ruídos que não só vai minando sua capacidade de audição, mas também sua capacidade de comunicar-se com os outros e de contemplar.
O ritmo frenético da vida nos faz viver na periferia das coisas e chega um dado momento em que para sobrevivermos temos que “fazer calar o silêncio”.
Esse silêncio que nos intimida, que está muito longe de nosso alcance, que nos faz confrontar conosco mesmos e com as realidades profundas que nos cercam. Não podemos voltar atrás e atacamos o ruído com um ruído ainda maior.
“Só calando aprendemos a falar”. Deste silêncio fluirá a palavra enriquecida como brota a folha do galho bem enraizado na terra.
Se o mestre da palavra é o silêncio, o mestre do silêncio é o amor. Sabemos que não há nada mais árido e vazio que o silêncio do egoísta, o de que quem cala porque teme a verdade, porque não quer julgar-se.
Só o amor dá fecundidade verdadeira, expressão e plenitude ao silêncio e esse silêncio é o silêncio da vida.
“Só há três vozes dignas de romper o silêncio: a da poesia, a da música e a do amor” (Amado Nervo).
“As grandes coisas se realizam no silêncio”, nos diz Guardini. Não no ruído dos acontecimentos exteriores mas na claridade do olhar interior… nos sacrifícios e vitórias caladas, quando o amor toca o coração e a ação solicita o espírito livre…
As potências silenciosas são as potências verdadeiramente fortes. Falamos, logicamente, da Encarnação de Deus como o acontecimento mais oculto, o mais silencioso, cujas fontes secretas estão perdidas em Deus, inacessíveis aos olhares e ouvidos humanos indiscretos. Só o amor faz essas coisas.
“Matar o silêncio é matar o espírito”. Porque o espaço do espírito, ali onde pode abrir suas asas, é o silêncio.
A capacidade de silêncio do ser humano é o termômetro de sua qualidade e nobreza. Quanto mais capaz é o ser humano de construir-se e criar-se no silêncio, mais capaz será de entregar-se à ação.
Não é que o silêncio esteja por cima da palavra.
É que no silêncio escuta-se a palavra viva que dá o ser a tudo o que existe. Por isso só deveríamos romper o silêncio quando as palavras forem mais formosas que ele.
O silêncio autêntico nunca é fuga ou refúgio covarde. O silêncio autêntico é uma atmosfera, purifica e tonifica interiormente; transforma tudo, até a ação mais externa a nós.
Textos bíblicos: Sab 18,14-15; Ecl 3,7; Is 32,17; Jó 36,10; 1Re 19,9s.