14 – O cotidiano, o lento, o silencioso
Quando o mestre do Zen japonês Dogen (1200-1253) era ainda um principiante que viajava pela China em busca da sabedoria, teve três grandes decepções. Com o tempo, chegaria a compreender que sob estas desilusões se escondia o segredo do caminho que ele buscava tão ansiosamente.
A 1ª decepção foi a resposta do mestre à sua petição de ser incluído entre seus discípulos. Dogen acreditava ter encontrado finalmente o autêntico mestre, sábio e santo, e lhe pediu lições e acompanhamento. Mas o mestre recusou, desculpando-se por estar muito ocupado: haviam-lhe encarregado de preparar o refeitório do mosteiro, e não lhe sobrava tempo.
Na cabeça do principiante não cabia imaginar-se a altura do mestre e a profundidade do místico numa mesma pessoa dedicada a um ofício aparentemente tão vulgar como limpar mesas e lavar pratos. Mais tarde Dogen compreenderia que para descobrir o Absoluto é necessário aprender a olhar a rotina e o cotidiano do mundo relativo.
A 2ª decepção de Dogen foi o longo compasso de espera que o mestre lhe impunha; tinha a sensação de estar perdendo o tempo sem fazer nada. Para quem tinha, como ele, facilidade de aprender línguas antigas e era dotado de uma capacidade notável de assimilação, a grande satisfação seria receber do mestre uma abundante dose de leitura na qual mergulhar-se, orientado por ele.
Mas o mestre insistia na importância de sentar-se para meditar e nada mais. Simplesmente, tinha que estar assim horas e horas para chegar, lhe dizia o mestre, a sair de si abrir-se de corpo inteiro à iluminação. Só depois de muitos anos, Dogen compreenderia que nessa lenta espera e nesse aparente não fazer nada estava o segredo de um caminho pelo qual se avança estando quieto, e se acelera indo devagar
A 3ª decepção foram os silêncios incompreensíveis do mestre. O jovem estudante estava disposto a tomar nota de tudo, para voltar ao Japão carregado de apontamentos que frutificariam ao difundir-se entre seus futuros discípulos. Somente mais tarde Dogen compreenderia a grande lição assim formulada pelos patriarcas ancestrais: “aquele que sabe, não diz; aquele que diz, não sabe”.
Nesta evocação de Dogen estão esboçadas as três pinceladas de um quadro que decora a sala de espera da espiritualidade oriental: o cotidiano, o lento, o silencioso.
Dito de outra maneira: os espaços da vida diária, os tempos cheios de pausas e a linguagem grávida de silêncio, são os três traços sapienciais que se destacam na verdadeira espiritualidade.
Em síntese: saborear o eterno e o Absoluto nas pausas e nos silêncios da vida cotidiana; aprender a descobrir o valor eterno do doméstico e cotidiano; aprender a conectar com o eterno no presente introduzindo pausas e espaços de receptividade; aprender a escutar em silêncio, a calar sobre o Absoluto, como uma das melhores formas de expressá-lo.
O valor eterno do cotidiano, as pausas sensíveis e os silêncios significativos seriam o caminho de toda uma espiritualidade da sabedoria e da simplicidade. Esta aprendizagem não é algo inédito, senão que nos leva a redescobrir o que o Mestre de Nazaré nos disse sobre os “lírios do campo”.
Texto bíblico: Mt 6,25-30.
Trata-se de um texto que serve de fio condutor para descobrira presença de um Mistério na vida de cada dia; não há nada, por pequeno que seja, que não tenha importância.
Há uma presença escondida quase imperceptível. Tudo é digno de ser cuidado.
“Contemplar os lírios do campo…” chegar a isso sem a força do pensar. Descobrir aí uma Presença absoluta, escondida no cotidiano, é encontrar-se acolhido pelo abraço do Absoluto que nos envolve.
Para fazer essa descoberta no cotidiano é necessário “estar naquilo que se está fazendo o que se faz”, eliminar a preocupação pelo passado e a ansiedade pelo futuro, para viver o presente em sua plenitude.
“A verdade está demasiadamente próxima de nós e, por sua mesma proximidade, não atinamos a percebê-la com claridade” (Kukai, mestre zen).