5 – No princípio era a relação…
“No começo era a relação e na relação está a força que cria o mundo, através de nós e conosco, e por meio de nós, tu e eu, vocês e nós, e ninguém de nós sozinho”
(Carter Heyward)
O sonho da prosperidade material a ser conseguida pelo poder-dominação sobre a natureza e o consumismo exacerbado destruiu o sentido cordial das coisas e legou-nos um devastador vazio existencial.
A Bíblia nos revela a “separação” como o grande pecado, ou seja, a auto-afirmação excessiva do ser humano sem a integração e comunhão num todo maior.
As coisas não estão colocadas umas ao lado das outras, em justaposição, mas são todas sinfônicas, inter-ligadas. Há uma grande unidade, feita de muitos níveis, de muitos seres diferentes, todos eles ligados e religados entre si. E, por isso, num profundo e intenso dinamismo.
O drama do ser humano é sentir-se parte e perder a memória de que é parte do todo, é sentir-se um elo vivo e esquecer que este é um elo da única corrente de vida. Trata-se, enfim, de fazer uma experiência de não-dualidade; isto significa dizer: sentir-se pedra, planta, animal, estrela… “sentir-se universo”.
Ao predominar a auto-afirmação e o domínio do ser humano sobre a Criação, produziu-se a quebra da “re-ligação” com tudo e com todos. Colocou-se num pedestal solitário a partir de onde pretende dominar a Terra e os céus; como consequência dessa atitude temos a devastação do espaço natural. Nesse sentido, a ruína ecológica está em estreita relação com o embrutecimento interior, estético e moral, do ser humano.
Eis a doença de nosso tempo: a centração só no ser humano sem a conexão com o todo cósmico.
“Devastando de maneira cega e vandálica a natureza que o circunda e da qual extrai seu sustento, a humanidade civilizada atrai para si a ameaça da ruína ecológica. Talvez reconhecerá os próprios erros quando começar a sentir suas consequências no plano econômico, mas então – muito provavelmente – será tarde demais. O que neste bárbaro processo o homem menos adverte, contudo, é o dano que isso acarreta para sua alma. A alienação geral, e sempre mais difusa, da natureza viva é em grande medida responsável pelo embrutecimento estético e moral do homem civilizado”. (Konrad Lorenz)
O autor revela uma relação de reciprocidade e de interdependência entre o embrutecimento da natureza e o embrutecimento do ser humano. Naturalmente vale também o contrário: o embrutecimento do ser humano, de sua interioridade, a perda do gosto pela verdade, pelo bem e pelo belo, o extravio da ternura e da transcendência, repercutem em uma falta de respeito pela natureza, em ruptura com as outras criaturas, em embrutecimento ecológico.
É urgente refazer o caminho de volta, como filhos pródigos, rumo à “comunidade universal de vida” e irmanar-nos com todos as criaturas. Temos de restaurar a re-ligação com o Todo e com todos.
É impressionante que o núcleo central das parábolas de Jesus é formado por imagens que “ligam”, que integram e comprometem (Lc. 13,20). O fermento da relação é que constitui o material do Reino de Deus.
É precisamente o sentido particular da relação pessoal de Jesus com a Trindade, com os demais seres humanos e com o mundo que nos permite descobrir o significado espiritual da dimensão da “relação”.
O relato da Criação nos faz ser conscientes da atitude da Trindade na sua relação com o cosmos.
Em Jesus Cristo, nos fazemos conscientes da conexão que há entre todos os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cujo próprio ser é relacional (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a transformação consiste numa correta e justa relação e conexão entre todos os seres.
Na verdade, Ele chamou o ser humano a sair de seu mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo o que existe; tal relação é a concretização do sonho do Reino de Deus.
Isto significa que o discípulo de Jesus deve apresentar um estilo de vida completamente contrário à ética do individualismo consumista e do domínio competitivo do mundo atual.
Na oração: “Oh, Comunidade Divina, que nos uniu em um grau de parentesco através das relações e conexões com toda a imensidade do universo e com os minúsculos átomos de nosso ser; que nossa oração sirva para que saibamos agradecer eternamente Teu amor incondicional, que se manifesta através de nossa unidade comunitária com todas as criaturas, e para que esse sentido de comunhão nos leve a amar-Te e servir-Te a Ti e à Tua Criação em todas as coisas e fatos de nossas vidas”.