4 – “… E o Verbo se fez mundo”
Pertence essencialmente à fé cristã a proclamação de que o Filho de Deus se fez “carne e veio habitar entre nós” (Jo 1,14). Dito em termos cosmológicos e ecológicos, significa que Ele é feito com os mesmos elementos com os quais todos os seres e corpos são compostos.
Nosso sistema solar, a Terra, cada ser e cada pessoa contêm material reciclado que foi formado no interior das grandes estrelas. O corpo de Jesus, portanto, possui a mesma origem ancestral e até com materiais da poeira cósmica que podem ser mais antigos que nosso sistema solar e planetário.
Jesus é um produto da grande explosão do “big bang” e das grandes estrelas vermelhas, e suas raízes se encontram na Via Láctea, seu berço é o sistema solar e sua casa é o planeta Terra.
O ferro que corria em suas veias, o fósforo e o cálcio que fortificavam seus ossos, o sódio e o potássio que permitiam a transmissão de sinais através de seus nervos, os 65% de oxigênio que compunham o seu corpo e os 18% de carbono, tudo isso faz que sua encarnação seja realmente cósmica.
O Filho se vestiu de toda essa realidade quando emergiu da cosmogênese.
Jesus participou do surgimento da vida e da formação da consciência.
Como qualquer ser humano Ele é filho do universo e da Terra. É membro da família humana.
O ser humano é aquele ser pelo qual o cosmos mesmo chega à sua autoconsciência e à descoberta do Sagrado, o lugar biológico-antropológico da irrupção da divindade dentro da matéria.
Essa realidade nos faz entender por que a encarnação não atingiu apenas o homem Jesus, mas a todos os humanos. Todos, por serem irmãos e irmãs de Jesus, estão chamados a serem assumidos a seu modo e a sua maneira pelo Verbo.
A Encarnação, por outro lado, aparece como um processo em curso. O Verbo continua emergindo da matéria do mundo e da massa humana até “verbificar” o inteiro universo e introduzi-lo no Reino da Trindade.
A Encarnação enraíza Jesus no cosmos. Mas também o limita às amarras espaços-temporais.
Encarnação é sempre limitação e rebaixamento (kénose). Ele é judeu e não romano. É homem e não mulher. Nasceu sob Tibério Augusto e morreu sob Pôncio Pilatos.
Foi dentro destas limitações e não apesar delas que o Verbo se revelou e nos santificou.
Pela Ressurreição, no entanto, romperam-se todas as amarras do espaço e do tempo. Cristo ganhou uma dimensão cósmica. A evolução se transformou numa verdadeira revolução.
O Gólgota remete aos gemidos de parto, e o túmulo vazio representa a concretização do parto. Nova história, nova criação está iniciada.
O Cristo cósmico surge então como motor da evolução, como seu libertador e seu plenificador.
S. Paulo vai dizer que “Cristo é tudo em todas as coisas” (Col 3,11) e “tudo subsiste nele” (Col 1,16).
Ela recapitula tudo. Por isso a Epístola aos Efésios afirma que importa “unir sob uma só cabeça todas as coisas em Cristo” (1,10).
O texto mais expressivo desta cristologia cósmica se encontra no Logion 77 do evangelho copta de Tomé: “Eu sou a luz que está sobre todas as coisas; eu sou o universo; o universo saiu de mim e o universo retornou a mim; rache a lenha e eu estou dentro dela; levante a pedra e eu estou debaixo dela”.
Ao abraçarmos o mundo, ao penetrarmos na matéria, ao sentirmos o campo das forças e das energias, ao fazermos os mais humildes e penosos trabalhos como rachar lenha ou levantar pedras, estamos em contato com o Cristo ressuscitado e cósmico.
Aqui, abre-se o espaço para uma experiência inefável de comunhão com o Cristo total, atualizada continuamente pelo mistério da Eucaristia. A hóstia e o vinho não são apenas uma porção de matéria, um pedaço de pão e um pouco de vinho que estão sobre o altar.
Pela fé no Cristo cósmico e na inabitação do Espírito, o universo inteiro se transforma em hóstia e em vinho para ser o corpo cósmico de Cristo.
Textos bíblicos: Is 40,27-31; Lc 19,11-28; Dt 31,1-8; Jo 1,1-5; Lc 1,26-56