16 – Sagrado coração da terra
“Quanto mais falamos do universo, menos o compreendemos.
O melhor é auscultá-lo em silêncio”
(Lao Tsé)
Todas as religiões e culturas se servem de relatos para revelar a verdade e fazer chegar até nós a sabedoria de nossos antepassados. A revelação mais antiga e universal é que a Terra e todas as suas criaturas, assim como o ar, o solo, a pedra e a água são sagrados, e que esta verdade deve refletir-se em nossa vidas.
Como cristãos, seguir Jesus Cristo hoje é adquirir conhecimento e experiência consciente desta história oculta e sagrada. Com efeito, a Terra acolheu Jesus como acolhe toda pessoa que vem a este mundo.
É a casa verdadeira, a mais básica. Jesus sentiu a companhia desta Terra que é irmã e mãe.
Os Evangelhos destacam de muitas maneiras a boa relação que Ele teve com a Terra.
Jesus soube viver as noites e empregá-las, para além de sua solidão e aspereza, para encontrar sentido e para dar profundidade às suas atuações mais decisivas (Mc 1,35; Lc 6,12).
Desfrutou dos caminhos andados, dos campos semeados, do vento que se assemelha ao Espírito, das árvores que empregará como parábolas do Reino, das vinhas que serão símbolo de sua oferta em novidade…
Experimentou a dureza da Terra, sua aspereza no deserto (Mt 4,1) e a calidez de seu abrigo à hora da morte; pisou o chão de terra batida, machucada, rasgada…
Teve uma mentalidade inclusiva porque, no fundo, entendeu que tudo estava relacionado e que as coisas e as pessoas espreitam o mesmo horizonte.
Segundo S. Paulo, Jesus Cristo, como Filho de Deus, é o princípio de nossa história e da história de amor da Trindade para com nosso planeta. A Terra, com todos os animais, plantas e seres humanos que a povoam, é a história da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Através de sua vida e de sua revelação das Três Pessoas Divinas, nos é transmitida a “grande história de amor ao planeta Terra e seus habitantes”. Para os cristãos, Jesus Cristo é o princípio e o fim da história de nossa criação, o alfa e o ômega.
“Bendita sejas tu, áspera matéria, terra estéril, rocha obstinada: tu que não cedes a não ser sob violência e nos obrigas a trabalhar se queremos comer(…). Tu que castigas e que curas, tu que resistes e que cedes, tu que destróis e constróis, tu que encadeias e que libertas, seiva de nossas almas, mão de Deus, carne de Cristo, matéria, eu te bendigo” (Teilhard de Chardin – Hino do Universo).
Textos bíblicos: Sl 104 (103); Sl 65 (64); Sl 136 (135).
Na oração: Num canto do jardim, tendo o horizonte como o altar, a Terra inteira como pão sagrado e o espaço formado pelas montanhas como cálice, leia salmos de louvor pela grandiosidade da Criação; sobre a patena do horizonte, ofereça o inteiro universo com suas galáxias, miríades de estrelas e incontáveis planetas.
Em seguida, com as mãos trêmulas pelas energias cósmicas que entranham a realidade e os lábios incandescentes pelo fogo das palavras sagradas, pronuncie com reverência esta consagração da Terra:
Terra, Corpo de Deus
“Terra minha querida, Grande Mãe e Casa Comum!
Finalmente chegou tua hora de unir-te à Fonte de todo ser e de toda vida.
Vieste nascendo para isto, lentamente, há milhões e milhões de anos, grávida de energias criadoras.
Teu corpo, feito de pó cósmico, era uma semente no ventre das grandes estrelas vermelhas que depois explodiram, te lançando pelo espaço ilimitado.
Vieste aninhar-te, como embrião, no seio de uma estrela ancestral, no interior da Via-Láctea, transformada depois em Super Nova. Ela também sucumbiu de tanto esplendor. E vieste então parar no seio acolhedor de uma Nebulosa, onde já, menina crescida, perambulavas em busca de um lar.
E a Nebulosa se adensou virando um Sol esplêndido de luz e de calor.
Ele se enamorou de ti, te atraiu e te quis em sua casa, junto com marte, Mercúrio, Vênus e outros planetas.
E celebrou o esponsal contigo.
De seu matrimônio com o Sol, nasceram filhos e filhas, frutos de tua ilimitada fecundidade, desde os mais pequenininhos, bactérias, vírus e fungos até os maiores e mais complexos seres vivos.
E como expressão nobre da história da vida, nos geraste a nós, homens e mulheres.
Através de nós, tu, Terra querida, sentes, pensas, amas, falas e veneras.
E continuas crescendo, embora adulta, para dentro do universo rumo ao Seio do Deus-Pai e Mãe de infinita ternura.
D’Ele viemos e para Ele retornamos com uma implenitude que só Ele pode preencher.
Queremos, ó Deus, mergulhar em Ti e ser um contigo para sempre junto com a Terra.
E agora, Terra querida, realizo o gesto de Jesus na força de seu Espírito.
Como Ele, cheio de unção, te tomo em minhas mãos impuras, para pronunciar sobre ti a Palavra Sagrada que o universo escondia e tu ansiavas por ouvir.
“Hoc este corpus meus: Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue”.
E então senti: o que era Terra se transformou em Paraíso e o que era vida humana se transfigurou em vida divina. O que era pão se fez Corpo de Deus e o que era vinho se fez sangue sagrado.
Finalmente, Terra, com teus filhos e filhas chegaste em Deus. Te fizeste divina por participação.
Enfim, em casa.
“Fazei isto em minha memória”.
Por isso, de tempos em tempos, cumpro o mandato do Senhor.
Pronuncio a palavra essencial sobre ti, Terra querida, e sobre todo o universo.
E junto com ele e contigo nos sentimos o Corpo de Deus, no pleno esplendor de sua glória”. (Leonardo Boff)