13 – Eucaristia: celebração da “memória”,
comunhão com o universo
“Celebra a memória quem, em si, prolonga algo da pessoa lembrada”
(Frei Cláudio)
Cultivar a “memória de Jesus”, de tudo que celebrou na Última Ceia, é tornar viva e atual Sua presença nas diferentes refeições junto ao seu povo. Consciente da missão que o Pai lhe confiara, Ele despertava as pessoas para seu próprio valor, para a dignidade e originalidade de cada um…
Nessa perspectiva, Ele as libertava da banalidade do medo, do poder excludente, da ansiedade, da culpa e da passividade na submissão, para um sentido superior de ser e conviver.
Na prática do amor, Jesus se fez presente-doação em todas as situações de exclusão e marginalidade, envolvendo a todos com a solicitude misericordiosa do Pai.
Tal doação-entrega atingiu o cume na partilha do pão e do vinho na celebração da Eterna Aliança.
O dom eucarístico, portanto, tal como a humanidade de Jesus, não pode ser reduzido a um simples objeto desligado das demais relações envolventes (com Deus, com os outros e com toda a Criação).
“Como o pão é um só e o mesmo, formamos todos um só corpo” (1Cor 10,14-22).
Em Jesus, Deus se revelou encarnado na história e, por sua atuação, morte e ressurreição, evidenciou que fez do universo seu corpo. A presença real de Jesus, no pão e vinho da Eucaristia, nos desperta a reconhecê-Lo presente no coração do Cosmos e da História.
Céu e Terra estão integrados; o finito se faz espaço e revelação do Infinito, e Deus acontece nas relações humanas interpessoais e nos cuidados por tudo que diz respeito à harmonia neste mundo.
O “Evento-Jesus” tirou o véu que encobria o desígnio de Deus para a humanidade e o universo.
Jesus apontou e recapitulou o sentido do curso da História, em sua forma mais ampla e profunda.
A riqueza de seus frutos vai-se apresentando ao longo do processo da história, em que nós, hoje, somos parceiros de peregrinação. Como discípulos do Senhor, temos a missão de servidores no amor, dentro das relações vividas no cotidiano de nossa realidade.
Pela Eucaristia, valorização definitiva do universo pela comunhão, somos confrontados com a presença transformadora de Deus em tudo e em todos.
A Eucaristia nos educa no respeito e cuidado para com tudo aquilo que nos cerca. Tudo e todos são sinais do divino, que rejeita toda forma de dominação e exclusão, exploração e divisão, substituindo-a pelo respeito à força transcendente que integra a natureza, promove a vida e confraterniza a convivência.
A Eucaristia clarifica e atualiza a Vontade do Pai: “E a vontade d’Aquele que me enviou é esta: que não perca nenhum dos que Ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,39)
No repartir do Pão da Eucaristia, palpita a vida que transcende as fronteiras da morte.
Quem come deste Pão, entrega-se ao poder da Ressurreição, comprometendo-se com a luta contra as forças da morte: egoísmo, violência, indiferença, omissão política, desonestidade na gerência dos bens, descuido nas relações afetivas, isolamento no medo, destruição do meio-ambiente, poluição…
Ao acolhermos Jesus, vivo em nós, aproximamos a terra do Céu e nossa fugacidade da ressurreição.
Deus se aproximou ao máximo da Criação: em e por Jesus, mediante sua vida, morte e ressurreição, Ele se revelou um só com todos, por um amor de total gratuidade, sem exclusão.
Simbolicamente, na Eucaristia, o pão é partido para significar a doação de Jesus; e ao comermos deste pão, aceitamos ser como o grão de trigo que, caído no chão da história, produz frutos para o bem de todos. Essa presença mística de Cristo em nós, dinamizada pela Eucaristia, consagra irmãos solidários, cidadãos do mundo. Aqui está o fundamento de toda espiritualidade (J.M. Hennaux, L’adoration eucharistique – NRT 123, 2001).
Conhecemos o quadro da Última Ceia de Salvador Dali: o Cenáculo alto, Jesus e os discípulos, o pão partido, o vinho vermelho translúcido… O autor fez as pareces do Cenáculo, enormes, de vidro, como nunca foram na realidade. E, da singeleza da Eucaristia, o olhar vai mergulhando para fora, vendo o mar, as praias, as montanhas, o mundo, o universo… tudo isto transfigurado por um abraço de um corpo humano/divino enorme, braços abertos, acolhendo a cena toda… Como se Ele ficasse transparente e a gente passasse a ver o mundo inteiro através d’Ele.
Sem “transparência” não há Eucaristia.