7 – Criação em sombras: o pecado estrutural
“Preocupam-me os ferimentos e as chagas sangrentas no corpo nu da terra.
Não vemos que, a longo prazo, esses ferimentos provocam hemorragia: a fome?
a pobreza? os acidentes químicos e nucleares?…
Somos responsáveis, direta ou indiretamente. Estamos… estrangulando a terra”
(Wangari Maathai)
Depois de considerar o sentido de nossa existência diante de Deus, S. Inácio nos pede que façamos oração sobre os pecados estruturais da comunidade humana e sobre os nossos pecados pessoais, até que alcancemos a graça que nosso coração deseja.
Nos primeiros exercícios nos enchemos de gratidão e assombro pela nossa existência, pelo amor da Trindade e pela comunidade universal de vida que nos sustenta. À medida que avançamos na oração, vamos nos dando conta de que não fomos sensíveis à bondade e ao amor em contínua evolução que a Trindade demonstra pelo universo.
Em nossa oração imploramos misericórdia por termos sidos negligentes com a criação plena de beleza e harmonia; misericórdia que nos chama a uma “metanoia”, ou seja, para uma conversão nos nossos relacionamentos com a natureza, tal como ela foi criada.
O pecado estrutural forma parte do grande mistério das forças do mal que estão dispersas pelo universo e sobre o qual S. Paulo nos adverte em Ef 6,10-13.
Ultimamente, nossa comunhão sagrada com a natureza, nossa fonte de vida e de significado, foi substituída por um profundo desespero. De fato, temos lavrado nosso próprio “inferno”:
Buracos na camada de ozônio, mutações climáticas provocadas pelo efeito estufa, enchentes diluvianas, secas prolongadas e devastadoras, desertificação de imensas áreas, erosão de solos férteis, desaparecimento de florestas devido ao desmatamento e às chuvas ácidas, rios assoreados e poluídos devido ao esgoto doméstico e aos detritos industriais, ar irrespirável pela presença de monóxido de carbono e outros gases venenosos, poluição sonora e visual das grandes cidades, crescimento e acúmulo de lixo urbano e industrial, esgotamento das fontes de energia não renováveis e dos lençóis freáticos de água, extinção continuada e crescente de espécies vegetais e animais, pondo em risco a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas são pecados do nosso dia-a-dia.
A crise ecológica é a própria crise do ser humano. Nossa “oikós” (casa) está em ruínas, devido a maneira como a habitamos. Arrancamos pedaços para satisfazer nossos interesses individuais e não nos damos conta que estamos destruindo nosso próprio habitat (cf. Is 24).
A natureza não é mais uma realidade a ser conhecida em si mesma, contemplada, mas uma realidade na qual o ser humano pode interferir para proveito próprio.
“O ser humano transformou o Éden num matadouro e o Paraíso ocupado num paraíso perdido. Ele, até hoje, vem desempenhando o papel de um assassino planetário, preocupado apenas com sua própria sobrevivência a curto prazo; já sacrificamos boa parte da biosfera; a ética da conservação, na forma de tabu, de totemismo ou de ciência, quase sempre chegou tarde demais” (Edward Wilson).
Em termos inacianos, podemos qualificar tudo isso de desolação comunitária: o lugar pós-moderno do inferno. Conquistamos demais e cuidamos de menos. A ameaça provém da atividade humana altamente depredadora da natureza. Perdemos o sentido da corrente única da vida e de sua imensa diversidade.
Esquecemos a teia das interdependências e da comunhão de todos com a Fonte originária de tudo.
No entanto, ao contemplar o universo desolado e devastado, a misericórdia de Deus faz brotar do meu interior uma “exclamação de admiração com intenso afeto” (EE. 60).
Considero a fidelidade com que o sol ilumina a terra para que a vida se desenvolva e se multiplique; a fidelidade com que a rotação do planeta nos traz a noite e o repouso. Recordo como a água limpa, o ar e a boa alimentação me sustentam cotidianamente; como a madeira das árvores me protegem dos rigores do tempo, como as fibras das plantas e dos animais me serve de abrigo; recordo como os micróbios produzem antibióticos para curar-me. Fico admirado e assombrado diante da generosidade da natureza que me proporciona todas as coisas boas em abundância.
Assim também, o amor, os cuidados e os sacrifícios de muitas pessoas e criaturas fazem minha vida mais fácil e enchem-se de alegria.
Louvo a misericórdia da Trindade que me re-cria a cada momento e revela seu rosto nas criaturas.
Textos bíblicos: Mt 25,31-46; Lc 16,19-31; Is 59