Visitação: gerar a vida divina em nosso interior
“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre…” (Lc 1,41)
Nos relatos do Evangelho de Lucas há duas mulheres, Maria e Isabel, que experimentaram profundamente o dom da gratuidade, e seu lugar de carência se converteu em lugar de abundância. As duas descobriram o dinamismo curador das relações e a riqueza que os contatos pessoais contêm.
As relações que nos constituem são o tecido pelo qual circula nossa abertura a Deus e por onde crescemos em humanidade, acolhendo e sendo acolhidos pelos outros.
Vivemos em um mundo hiperconectado, em contato permanente e presente, ao mesmo tempo, em todos os lugares. O mundo, nossa vida, se converteu num “chat” contínuo. No entanto, em meio a este “chat” universal, a conversação emudeceu; a maior parte de nossas “conversações” tornaram-se prisioneiras das telas (celulares, tablets, smartphones, internet). Corremos o risco de reduzir a comunicação à conexão. Banalizam-se os conteúdos da conversa, mas também são amputadas dimensões fundamentais da experiência da comunicação, sobretudo a presença física. Sem essa presença, sem o encontro pessoal, não é possível o diálogo e a verdadeira comunicação. Este empobrecimento da comunicação vivente com o outro, ou a atrofia e medo de um face-a-face, é sinal claro de uma profunda desumanização.
O “mistério da visitação” nos possibilita recuperar o sentido e o dinamismo de um encontro interpessoal. O encontro é uma realidade inter-humana dinâmica e, até certo ponto, tem algo de arriscado e im-previsível, derrubando todas as nossas prévias tentativas de controlá-lo.
Podemos planificá-lo preparando estratégias; podemos acolhê-lo cheio de expectativas ou, pelo contrário, sem elas, esperando uma mera formalidade, repetição de outras situações semelhantes; podemos nos mostrar desejosos ou desconfiados, seguros ou ansiosos… De repente, algo inesperado acontece, na outra pessoa, ou em nós mesmos, ou no contexto, convertendo aquele encontro numa situação única e original, afetando nosso viver ou transformando nosso eu profundo.
O evangelho de hoje nos apresenta uma visita inesperada: a visita daquela que não permanece fechada nem ensimesmada em seu mistério; a visita daquela que se sente impulsionada a sair de si mesma para colocar-se a serviço daquela que está necessitada de ajuda.
Uma visita alegre, espontânea e gratuita, porque cheia da experiência de Deus; Maria que faz Isabel sentir a alegria de uma maternidade não esperada. Isabel que faz Maria sentir as maravilhas que Deus realizou nela. Uma visita que se expressa em dois cantos de louvor e ação de graças: “Bendita és tu que acreditaste” e “Minha alma engrandece o Senhor”.
Há visitas que não significam muito: só servem para matar o tempo e “jogar conversa fora”. E há visitas que despertam vida, que faz saltar a vida que carregamos dentro de nós.
Por isso, todos somos seres carentes de “mais visitações”. Visitações que despertem nossas possibilidades e sonhos, visitações que nos façam saltar de alegria, visitações que nos ajudem a reconhecer as maravilhas que Deus realiza em nós e nos outros.
À sombra do encontro entre Maria e Isabel e contemplando o modo de visitar e de ser visitado, agradecemos o tecido relacional que conforma nossas vidas. É um tempo para orar as relações, para considerar aquelas que precisamos continuar alimentando e aquelas que se romperam e que queremos reparar.
Agradecer as relações que nutrem nossa vida. Trazer ao coração as pessoas significativas que nos fizeram provar o sabor do amor em nós e seus bons efeitos. Recolher agradecidamente os pequenos gestos de amor, de carinho, de escuta, de confiança, de paciência… que tiveram conosco.
As duas mulheres se encontram em diferentes momentos vitais: Isabel na terceira etapa de sua vida, Maria quase na primeira, entrando na segunda. Uma é estéril e anciã, a outra, jovem e virgem, ambas portadoras de uma vida maior que elas mesmas, conhecedoras do mistério que crescia em seu interior.
Devido à sua gravidez, as duas se encontram fora da norma social, do estabelecido. Isabel é idosa para poder conceber, e Maria está grávida sem estar casada. Ambas deviam sentir não só alegria no abraço, mas também a comoção e as dúvidas: “quê vai acontecer?”, “como vamos ajeitar as coisas?”…
Elas apoiam-se mutuamente no momento no qual estão, na situação que atravessam; reconhecem-se e se confirmam; estabelecem um vínculo entre elas, aceitam-se mutuamente; não se julgam nem valoram em função do que a sociedade considera correto ou incorreto; compreendem o que significa para cada uma delas que algo novo está crescendo em seu interior.
Maria não vai só servir a Isabel; ela precisa de alguém que a partir de sua experiência lhe diga: “vai em frente, que isso é de Deus”. Necessita que Isabel a confirme e a bendiga. E Isabel, por sua vez, necessita agradecer o sonho de Deus que as duas compartilham e que se tornou possível.
Estas mulheres são um ícone preciosíssimo para cultivar as dimensões do diálogo intergeracional e a necessidade que temos de diálogo em todas as dimensões da vida, entre as culturas, entre as diversas tradições religiosas… O diálogo como caminho para a comunhão.
Elas nos conduzem a agradecer a capacidade feminina, que homens e mulheres têm, de deixar transparecer o Mistério que nos habita, de despertar-nos uns a outros para essa Vida que nos habita e cuja presença reconhecemos.
Isabel e Maria se convertem cada uma em comadre, em parteira da outra; a partir de seus diferentes momentos vitais, vão se ajudar a esperar e a passar o processo do “dar à luz”. Na vida nova que está se gestando nelas, no secreto, anseiam em uníssono para trazer ao mundo algo de Deus que estava oculto.
As duas sabem de espera e de dores de parto. O parto não é um fato isolado e acontece nele a contração e a relaxação, a dor e o prazer, a posse e o desprendimento, a tristeza e a alegria, o medo e a confiança.
Isto que as parteiras mencionam como momentos do parto, do “dar à luz”, são momentos de nossa vida, de nossas relações. Todos nos reconhecemos aí. Somos parteiros uns dos outros, e necessitamos cuidar desses processos cotidianos onde a vida do Espírito se manifesta como luz da vida.
Os ícones que ao longo dos séculos expressam esta visita, esta saudação, nos apresentam as duas mulheres vinculadas, unidas por um abraço, por um beijo, por uma mesma alegria. Em seu modo de entrar em relação, em sua maneira de dialogar, se apresentam na qualidade de mestras para nós, para nossa humanidade fragmentada que aspira relações novas.
Isabel e Maria se fazem valer mutuamente e despertam o melhor que há em cada uma. Viveram uma história de agradecimento e de libertação, se encontraram a partir da alma, a partir do mais profundo de si mesmas e se ofereceram mutuamente palavras amigas, palavras de encorajamento e de sabedoria.
Elas nos ajudam a nos perguntar: Quê tipo de história relacional queremos viver? Uma história a partir do ego ou a partir interioridade?
Texto bíblico: Lc 1,39-47
Na oração: sua casa, lugar de visitação e encontro, espaço humano de partilha, con-vivência, festa, ajuda…?
Ou, casa cercada de parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada…, impedindo o acesso até mesmo dos mais próximos (parentes, amigos)?
– Seja uma casa sempre aberta: “entrada franca”;
Casa, lugar do lava-pés, do mandamento novo, da amizade, da oração…
Casa, lugar do discipulado: olhar, escutar e seguir
Casa, lugar de unção-acolhida, serviço e cuidado…
Casa, lugar do Nascimento, da experiência de um Natal permanente.