10 – O ser humano é cuidado
Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado.
O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência.
No cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir. É próprio do ser humano colocar cuidado em tudo o que faz. Se não coloca cuidado, as coisas se desmantelam e desaparecem.
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro e com a natureza.
“Não temos cuidado; somos cuidado”.
Isto significa que o cuidado faz parte da constituição do ser humano. É um “modo-de-ser” singular do homem e da mulher. Fomos criados à imagem e semelhança do “Deus cuidador e providente”.
Sem cuidado deixamos de ser humanos.
O cuidado está sempre subjacente a tudo o que o ser humano empreende, sonha, projeta e faz… O cuidado é o fundamento para qualquer interpretação do ser humano. Este “modo-de-ser” no mundo, na forma de cuidado permite ao ser humano a experiência fundamental do valor, daquilo que tem importância…
Cuidar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las… Cuidar é entrar em sintonia com… Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade…
Fiel intérprete do pensamento de S. Inácio, P. Nadal recomenda rezar a partir das criaturas:
“É necessário considerar pacificamente nelas a ação divina, e como essa ação é verdadeiramente de Deus. É necessário tudo conduzir a Deus, todo ser e toda ação. É preciso considerar como todas as coisas estão em Deus e agem n’Ele. Nas próprias criaturas é necessário sentir a força de Deus, pela qual Ele pode se fazer compreender, contemplar, amar e adorar pela criatura. Um coração puro, contempla Deus nos sinais e o espelha nas criaturas. Assim, tu sentirás o poder de Deus, sua presença, sua essência e mesmo sua ação”.
O filósofo Heidegger considera o “cuidado como o fenômeno básico constitutivo da existência humana”.
A vontade e o desejo não podem ser os fundamentos do cuidado, e sim vice-versa: nele baseiam-se.
Não poderíamos querer ou desejar se inicialmente não tivéssemos cuidado; e se não cuidarmos sinceramente não poderemos desejar ou querer. Querer é cuidado libertado, dinamizado…
Nesse sentido, o cuidado está na origem da existência do ser humano, ou seja, é a fonte donde brota permanentemente o ser. Portanto, significa que o cuidado constitui, na existência humana, uma energia que jorra ininterruptamente em cada momento e circunstância.
Cuidado é aquela força originante que continuamente faz surgir o ser humano.
Como fenômeno constitutivo do ser humano, o cuidado significa estado de alerta, abertura ao novo, busca de si mesmo; numa palavra: o cuidado é o ser de possibilidades.
Pertencer ao cuidado quer dizer não estar pronto, não viver em porto seguro, mas em alto mar. O ser humano nasce como um ser totalmente inacabado que necessita apropriar-se e integrar suas diferentes dimensões – somática, psíquica e espiritual – numa unidade pessoal a construir, abrindo-se às relações com o mundo, com os outros e com o Absoluto.
Entregue ao cuidado, o ser humano fica predestinado ao risco, e o seu modo mais autêntico de ser é o estado de pergunta sobre quem é ele mesmo, ou seja, quem é aquele que se define como o filho do cuidado.
“Nossa situação é a seguinte: na atual confusão de episódios racionalistas e técnicos perdemos de vista e nos despreocupamos do ser humano; precisamos agora voltar humildemente ao simples cuidado…; é o mito do cuidado – e creio, muitas vezes, somente ele – que nos permite resistir ao cinismo e à apatia que são as doenças psicológicas do nosso tempo” (Rollo May)
Textos bíblicos: Jer 23,1-8; Is 43,1-21.
Na oração: Você que sente a beleza-encanto na diversidade do existir e na multiplicação da Criação, saboreie a dimensão da gratuidade nessa inesgotável generosidade, sintoma mais pleno do Amor.