6 – Da consciência da fragilidade à exigência do cuidado
“Ao ver uma planta, uma pequena flor, uma fruta, um pequeno verme
ou qualquer outro animal, S. Inácio contemplava e levantava os olhos aos céus,
penetrando no mais interior e no mais remoto dos sentidos”.
(P. Ribadaneira)
Com o advento da pós-modernidade entrou em crise uma visão antropológica que apontava para um ser humano forte e autônomo. A crise econômica, a catástrofe ecológica, as ameaças biotecnológicas, as mudanças no mundo do trabalho, o desamparo psicológico, o vazio existencial, a identidade fragmentada do próprio homem… colocam em cheque a visão dominadora do homem vencedor.
A modernidade deixou atrás de si um rasto de destruição e morte porque perdeu a sensibilidade, a admiração e o encantamento diante da vida, esqueceu que ela é frágil e limitada, transformando os seres vivos em objetos de análise e de intervenção para o bem-estar exclusivo dos humanos, sem se importar com o equilíbrio e a reprodução da vida.
Hoje constatamos as chagas ecológicas estampadas por toda parte e os próprios seres humanos deformados pela miséria e exclusão. Não se levou em consideração a vulnerabilidade dos equilíbrios vitais dos ecossistemas. Nesse sentido crescem as situações em que os seres vivos e o próprio ser humano encontram-se fragilizados e ameaçados em sua sobrevivência e desenvolvimento.
A degradação do ambiente natural e social fragiliza e ameaça o próprio ser humano. Os desafios e problemas que o planeta Terra atualmente enfrenta em todos os seus sistemas ecológicos e na sociedade humana em particular exigem uma solução na linha do cuidado.
Pois a única atitude condizente diante de seres vivos vulneráveis e inter-dependentes, sejam eles humanos ou não, é o cuidado. O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. Diante das realidades vulneráveis faz-se necessário despertar as consciências para a prática do cuidado.
Isso exigirá uma conversão ética das atitudes e uma conversão espiritual do coração na linha do cuidar.
A perspectiva do cuidado poderia ser denominada de “paradigma ecológico”, isto é, um sistema que parte da vulnerabilidade, fragilidade do ser humano e da sua situação inter-relacional, interdependente.
Tal paradigma assume o próprio ambiente natural como frágil e formado de um ecossistema de relações; considera as realidades interligadas: o mundo e especialmente o planeta Terra não terão solução sem uma mudança no modo dos humanos se relacionarem com os seus semelhantes e com a natureza.
A vida, que pulsa em todos os seres vivos, é essencialmente uma realidade vulnerável e dependente de vários elementos interligados. O equilíbrio vital dos ecossistemas e os próprios seres vivos que as compõem são interligados e frágeis. Por isso, o modo de intervir nos sistemas vitais e de tratar os seres vivos deve ser regido pelo cuidado e não pela força e manipulação. Portanto, vulnerabilidade e inter-dependência constituem os pressupostos antropológicos do paradigma ético do cuidado.
A solução é voltar a maravilhar-se diante do milagre da vida e solidarizar-se com os humanos fragilizados e excluídos do sistema, desenvolvendo a prática do cuidado. Cada vida é um cenário de manifestação de Deus. Tudo pode causar “admiração e encantamento”. E ao contemplar o esplendor da Beleza de Deus revelada na Criação, a pessoa se sente seduzida, fascinada… Essa experiência evoca um sentimento profundo de veneração, de assombro, de respeito, de cuidado…
Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna. Para S. Inácio, as criaturas existem e são sustentadas pela força onipotente de Deus. Ele continua trabalhando, re-criando, fazendo tudo novo, com um cuidado providente. Há uma bondade intrínseca em todas as manifestações de vida.
Textos bíblicos: Lc 12,22-32; Eclo 18,1-14; Prov 8,22-36.
Na oração: considere que toda a Criação saiu das mãos do Criador como presente especial e gratuito, como uma mensagem de Amor a cada um de nós; ter presente na memória que fomos criados para viver em relação de amor com tudo e com todos.