Família, espaço humanizador
“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?”
(Mt 12,48)
Os laços de sangue e o ambiente amoroso e afetivo, próprios de uma família, deveriam ser pontos de apoio para aprender a sair de nós mesmos e ir ao encontro dos outros, com nossa capacidade de comunhão e de serviço. As relações familiares deveriam ser espaço de humanização e nos motivar a não nos deixar determinar pelo nosso individualismo e egoísmo. Se na família superamos a tentação do egoísmo amplificado, aprenderemos a tratar a todos com a mesma humanidade.
Não nos deve assustar o fato de que a família, hoje, esteja em crise. O ser humano está sempre em constante evolução; se assim não fosse, já teria desaparecido há muito tempo.
Com o Evangelho da Infância na mão, devemos buscar dar resposta aos problemas que a família hoje apresenta. A Igreja não deve esconder a cabeça na areia e ignorá-los ou continuar acreditando que isso se deve à má vontade das pessoas.
Como cristãos, temos a obrigação de fazer uma séria autocrítica sobre o modelo de família que encontramos hoje. Jesus não sancionou nenhum modelo, como não determinou nenhum modelo de religião ou organização social. O que Jesus revelou não faz referência às instituições, mas às atitudes que os seres humanos deveriam ter em suas relações com os outros.
Não basta defender de maneira abstrata o valor da família. Tampouco é suficiente imaginar a vida familiar segundo o modelo da família de Nazaré, idealizada a partir de nossa concepção da família tradicional. Seguir a Jesus, às vezes, pode questionar e transformar esquemas e costumes muito enraizados em nós. A família não é para Jesus algo absoluto e intocável. Mais ainda. O decisivo não é a família de sangue, mas essa Grande Família que, nós seus seguidores, devemos ir construindo, escutando o desejo do único Pai-Mãe de todos.
O Evangelho de hoje deixa claro que Maria e José tiveram de aprender isso, não sem problemas e conflitos. Seus pais “não compreenderam as palavras que lhes dissera”. Só aprofundando em suas palavras e em seu comportamento diante de sua família, descobrirão progressivamente que, para Jesus, o primeiro é a família humana: uma sociedade mais fraterna, justa e solidária, tal como o Pai deseja.
Iniciado no templo de Jerusalém, o evangelho da Infância também se encerra neste ambiente, que é o coração espacial da encarnação. De fato, como dirá Jesus na sua última entrada na cidade santa, as pedras de Jerusalém gritam.
É a primeira iniciativa independente e consciente do adolescente Jesus: Ele está cortando muitos vínculos com um só gesto; não pede permissão aos seus pais, pois vive em sintonia profunda com o Pai.
À medida que Jesus vai crescendo em idade, cresce também nele a consciência da sua relação com o Pai celeste. E, a partir dela, toma decisões por sua conta, sem consultar seus pais terrenos; decisões que não os surpreendem, mas que os fazem sofrer. O filho é um mistério para a mãe.
Embora feita com todo o carinho de um coração de mãe, a pergunta de Maria – “Meu filho, porque agiste assim conosco?” – mostra sua perplexidade diante do comportamento de Jesus.
É a segunda estadia de Jesus no templo, depois da visita da circuncisão.
Trata-se do seu ingresso oficial na comunidade hebraica, inaugurando sua maioridade.
É nessa ocasião que Jesus pronuncia as primeiras palavras registradas pelos evangelhos. E a primeira palavra, na prática é “Pai”, dirigida a Deus; “Pai” será também a última palavra pronunciada por Jesus, ainda em Jerusalém, mas no novo templo do Calvário: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46).
Jesus voltará a Jerusalém outras vezes; aí vai morrer e ressuscitar, porque Jerusalém é o sinal da vida e da morte, das lágrimas e da beleza, do sangue e da luz.
Em Jerusalém, Jesus encontrara alegria e dor, morte e vida, acolhimento e rejeição;
Jerusalém é a cidade da história humana e da história salvífica: lá está a “casa” do templo, a “casa” do Senhor, e a “casa” da dinastia de Davi, da qual descende o Cristo.
Nas primeiras palavras de Jesus temos a afirmação condensada do que será a sua vida, a revelação do seu mistério mais profundo. A relação com o Pai é, com efeito, a que determina todas as suas atitudes e ações.
Para Jesus é uma “necessidade” realizar na história concreta de sua vida o desígnio salvífico do Pai. Ela tem uma prioridade absoluta. Sobrepõe-se a todos os outros deveres, inclusive ao dever sagrado da piedade para com os pais.
Porque não se pertence a si mesmo, Jesus também não pertence a seus pais terrestres.
Ele – sua pessoa, sua vida e sua missão – pertencem inteiramente ao Pai.
Estas primeiras palavras de Jesus nos revelam onde está o centro de sua identidade e de sua missão: na sintonia e na comunhão com o Pai.
Na “perda e encontro” de Jesus no Templo se condensa toda sua vida, que é buscar a Vontade do Pai.
Mas Jesus não é somente este jovem que decide “perder-se” no templo; é todo cristão que busca a Vontade de Deus; somos todos nós, convidados a “perder-nos” na busca de Deus, de seu Reino, da missão que Ele tem reservada para nós.
Hoje só há uma condição para poder entrar em sintonia com o coração do Pai: sentir-se “perdido”, como Jesus, buscando o bem dos demais, o serviço da Igreja, do Reino de Deus… Diferentes maneiras de expressar nosso chamado a servir.
Hoje, certamente Jesus não se “perderia” nos Templos (tão vazios) mas nos grandes centros, nos grandes shoppings, onde estão os novos sacerdotes, sem história e sem futuro, fazendo sacrifícios nos grandes altares do consumo. Ali poderíamos encontrá-Lo arguindo sobre a humanidade, criticando-os por fazer destes lugares um templo fechado, um verdadeiro bunker, um mercado de privilegiados, que fecha as portas aos irmãos mais pobres e necessitados.
Igualmente, Ele se “perderia” buscando os filhos do Pai abandonados à sua sorte, excluídos, perdidos nas ruas fedidas, explorados nos lugares de trabalho e sem nenhum tipo de segurança social.
Hoje Jesus se “perderia” de novo em nossas peregrinações, se perderia nos “novos templos”. E é ali onde podemos encontrá-Lo. É a partir dali que Ele nos convida a encontrar a vontade de Deus nos imigrantes, nos excluídos, nos irmãos e irmãos que arriscam tudo para dar vida, uma vida, às vezes mínima, sem privilégios, nem extras, para que suas famílias vivam com um mínimo de oportunidade.
Texto bíblico: Mt 12,46-50
Na oração: Para inverter a “solidão desumanizante” na qual muitas famílias estão mergulhadas, é fundamental “re-tecer vínculos”. Para isso é preciso re-aprender a dizer e a ser “nós”, sem que ninguém fique sobrando. E, na família, há espaços onde isto se pode viver, fazer visível e viável.
Somente uma vivência familiar humanizada nos capacita para construir “comunidades de solidariedade”.
– Usando a imaginação, coloque sua família junto à Família de Nazaré: há aspectos comuns? Discrepantes?
– O que é preciso ativar para que sua família seja o rosto visível da Família de Jesus?