12 – O “subyecto” na experiência espiritual inaciana
O “estilo de vida” que alguém vive condiciona radicalmente a possibilidade de uma vivência espiritual. Pode facilitá-la ou pode impedi-la.
Uma determinada maneira de viver pode chegar a tornar impossível a experiência de Deus, enquanto que outro tipo de vida diferente pode nos colocar na pista de acesso à experiência de Deus.
Haverá “modos e condições de vida” que facilitam o “buscar e encontrar a Deus em todas as coisas”, e outros modos e condições de vida que, apesar dos esforços “interiores”, o limitam ou o impedem.
A proposta da espiritualidade inaciana é a do encontro com Deus na vida.
Nossa oração deveria brotar da história concreta que estamos vivendo hoje, no encontro com as pessoas, na comunidade, no trabalho,… Não oramos a-temporalmente, mas lemos os “sinais dos tempos” e interpretamos no sentido cristão o sinal que estamos experimentando cada dia.
O conflito no trabalho, as tensões familiares, o confronto com as situações duras, as alegrias e tristezas da humanidade… tudo isso não só nos convida a orar, como também dá conteúdo e cor à oração.
Se oramos a “partir da vida”, devemos também orar “para a vida”.
Este converter toda a vida em experiência de Deus, que é o desafio que S. Inácio nos faz, tem suas próprias “condições” de possibilidade, referidas não só à interioridade, senão à vida inteira da pessoa.
Algo de tudo isto é o que expressa S. Inácio com seu conceito de “subyecto”.
“Que é ter ou não ter subyecto?” (17 vezes nos EE).
A noção de “subyecto” inaciano faz referência, basicamente, à idoneidade, à aptidão, à condição, à disposição para uma determinada experiência espiritual.
Trata-se de um conjunto mais amplo de “condições pessoais e vitais” que facilitam a experiência do encontro com Deus, no tempo dos Exercícios e também na vida cotidiana. Entendido não só como qualidades humanas básicas, senão como um estilo de vida, ou melhor, um ritmo de vida que possibilite a experiência de Deus no meio da vida cotidiana.
O conceito de “subyecto” deve ser entendido dinamicamente: positivamente, vamos nos fazendo “subyectos”; negativamente, alguém que já foi, pode ir se deteriorando como tal.
“Fazendo-nos subyectos” para a experiência do encontro com Deus na vida: tal é o objetivo final para onde nos conduz toda a pedagogia espiritual inaciana.
O que verdadeiramente impede tirar proveito dos Exercícios é a falta de certos requisitos sem os quais não se pode fazer nada. E entre esses requisitos, além daquele mais “interior” como a falta de disponibilidade, estão os que fazem referência ao modo ou estilo de vida:
– a carência de desafios como pessoa, a acomodação a uma vivência sem horizontes, a falta de ousadia para romper com esquemas, os medos paralisantes, a ausência de vinculação orgânica ao mundo dos empobrecidos, a falta de resistência interior para encarar a própria realidade e incorporar as dificuldades…
Não é fácil a experiência do encontro com Deus.
É uma experiência combatida a partir de dentro e a partir de fora. Por isso, a pessoa que se arrisca a ela deve ser alguém com capacidade de resistência e luta (EE. 13; 16; 20).
S. Inácio pede também que seja uma pessoa comprometida com sua vida e com o momento presente de sua vida e suas circunstâncias concretas, realistas… que não escapa nem para o passado (saudosismo) nem foge para o futuro: pessoas capazes da “ascética do presente”, de “sentir e gostar” o que em cada momento é a experiência de sua vida, sem falsas pretensões nem escapatórias.
Isso requer uma pessoa unificada, afetiva e vitalmente, onde os afetos e as coisas se situam em seu lugar adequado, em ordem: “…não tendo o entendimento dividido em muitas coisas, mas pondo todo o cuidado numa só, a saber, em servir a seu Criador e aproveitar a sua própria alma…” (EE. 20).
Assim, pois, e seguindo a S. Inácio, há uma “estrutura antropológica” possibilitante da experiência dos Exercícios, da experiência de sentir a Deus na própria vida e na própria história.
Em resumo: a espiritualidade inaciana requer como condição de possibilidade para realizar-se, pessoas capazes de opção pessoal, humildes, abertas ao outro, capazes de resistência e luta, enraizadas na história, unificadas interiormente, livres.
– Que características deveria conter o “contexto vital” que, pouco a pouco, vai nos habilitando como “subyectos”, capazes de experimentar e encontrar Deus na vida?
a) Em primeiro lugar, a opção fundamental que fizemos não deve ser permanentemente colocada entre parênteses, questionada ou submetida à prova. Na maioria das vezes o que acontece é que com os atos cotidianos desmentimos e tiramos força das opções de fundo que tomamos.
Pelo contrário, elas devem ser continuamente re-afirmadas e consolidadas.
b) É necessário também um estilo de vida no qual se faça visível que o absoluto Deus ocupe, de fato, o lugar central na nossa vida. São necessários espaços e tempos para reconhecer como Deus vai passando por nossas vidas, para manter viva a memória de seu caminho por nós (oração, exame…).
c) Buscar um estilo de vida de janelas e portas abertas ao exterior, ao outro, ao diferente…
d) Um estilo de vida no qual somos nós quem marcamos o ritmo das coisas e não sejam as coisas as que marcam o nosso ritmo de vida; que o decisivo não seja a agenda, mas o projeto vital.
e) Viver um estilo de vida marcado pela “ascética do presente”: pelo compromisso com nosso presente concreto (trabalho, comunidade, família…), sem escapar-nos nem no passado, nem no futuro.
f) Neste estilo de vida que pretende acolher o carinho cotidiano de Deus, há de ter, necessariamente capacidade de acolhida afetiva. Ou seja, há de ser um estilo de vida no qual se possibilite o desenvolvimento de uma afetividade grande e sadia.
g) A pessoa chegará a ser “subyecto inaciano” da experiência de Deus no cotidiano se se vive num contexto vital no qual ela se sente estimulada a tomar decisões, a assumir responsabilidades, a controlar pessoalmente os processos de sua vida.
h) Dada a condição humana e a realidade histórica, a crise e o conflito constituem frequentemente a graça histórica que Deus nos concede para que amadureçamos na liberdade, na verdade e na justiça.
O conflito é um instante difícil, de parada, de mal-estar, de busca sofrida, mas é importante para purificar a pessoa, revigorar sua mística e ressaltar os valores e ideais pelas quais ela luta.
O conflito é um momento de re-definição, de adequação à realidade e de crescimento pessoal. Ele obriga a pessoa a repensar, a aprofundar, arrancando-a da aparente estabilidade e do conformismo.
Não há maturidade e crescimento pessoal sem passar pelas resistências de crescimento, de aprendizado e de educação para a liberdade.