“Eu vos digo isto para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena” (Jo 15,11)
É profundamente sábia a afirmação acima, feita por Jesus no contexto da Última Ceia. E é profundamente significativo que Ele pronuncie estas palavras no contexto de seu “único mandamento”. Alegria e Amor são dois nomes da Realidade que somos. E não podem andar separados. Não se trata de nenhuma crença, nem tampouco de uma exigência moral. A Vida é Alegria e Amor.
O evangelho de hoje parece nos indicar que a alegria, junto com o amor, é um dos sentimentos mais terapêuticos: nos centra e nos descentra, nos resitua, nos abre a dimensões de infinito, tirando-nos de mecanismos egocentrados, que nos fazem girar sobre nós mesmos de um modo doentio.
Todos nós podemos fazer a experiência de que, quando nossa capacidade de amar se encontra liberada, a alegria flui espontaneamente. E quando nos sentimos conectados à alegria, o amor flui na mesma medida.
Por isso, caminhamos na direção adequada na medida em que permanecemos conscientemente conectados a ambas realidades. E não por uma exigência moral, mas porque descobrimos que se trata de nossa verdadeira identidade.
Como dom do Espírito, a alegria brota do interior da pessoa e se expande; nesse sentido, a alegria é mais que um estado de ânimo; é o estado da pessoa inteira. Por isso, a alegria não é algo que acontece na pessoa: é a pessoa mesma acontecendo. A alegria é gerúndio: é a pessoa alegrando-se.
A alegria se dá na mesma medida que a vitalidade; de fato, ela é seu primeiro sinal. Quando não há nada que “deprima” a vida da pessoa, automaticamente experimenta a alegria de viver. Só quando a vida se vê bloqueada – geralmente por falta de amor – a alegria de apaga, até o ponto de se crer que ela desapareceu.
Nossa alegria é Cristo ressuscitado. Ele é a causa de nossa alegria. Ele nos dá vida em plenitude.
A alegria é um elemento central da experiência cristã. Nisto consiste a verdadeira alegria: em sentir que um grande mistério, o mistério do amor de Deus, visita e plenifica nossa existência pessoal e comunitária.
“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria” (Ev. Gaudium).
Jesus é um homem vital e alegre. Não é um moralista que busca algum tipo de comportamento específico, nem é um legalista que controla a vida das pessoas. Só lhe interessa que as pessoas possam experimentar a Alegria profunda.
Os Evangelhos nos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças são o fiel reflexo de sua vida; seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu estilo de vida, sua vivência sob a ação do Espírito… são vividos na paz e na alegria.
Diante dos sinais e prodígios que realiza Jesus exulta de alegria no Espírito Santo; revela-nos que Deus é alegria em si mesmo e para nós e que a salvação definitiva é “entrar na alegria do seu Senhor” (Mt 25,21).
A alegria, sentimento pascal, é um sinal palpável de saúde mental-emocional-espiritual, tanto nas pessoas como nas comunidades. A ausência da alegria, ao mesmo tempo que revela algum mal-estar não resolvido, costuma traduzir-se em rigidez e dureza para com os outros. É como se, ao não poder estar eu alegre, não posso permitir que ninguém esteja.
Esta alegria não está livre da presença de dificuldades, problemas, conflitos… Tudo isto faz parte de nossa condição e da porção da existência. Mas a Alegria de que fala Jesus é aquela que abraça os “bons” e “maus” momentos, do mesmo modo que a calma profunda do oceano permanece estável, haja serenidade ou tormentas em sua superfície. Trata-se de uma alegria unificadora que experimentamos quando estamos em contato com nossa verdadeira identidade.
“Somos Alegria”, embora nos toque passar por momentos de obscuridade, dor, aflição…
Cristãos tristes? Talvez, pela presença da dor, da injustiça, da prepotência, do mal humor, dos sorrisos superficiais e irônicos…, por tantas coisas contrárias ao amor. Mas alegres no Senhor, seguros de seu triunfo, tranquilos por não ter que aparentar o que não somos, sem medo de fracassar, prontos para conversar como autênticos irmãos. Quê alegria saber-se salvos! Que sabor infinito poder ser simplesmente humanos!
Traços característicos desta Alegria Cristificada. Quando a experimentamos ela transforma a vida; ela é o estado de espírito onde seguramente Deus habita. É o melhor presente: produz contágio e atração; é sintoma evidente de uma vida sadia; é a que ativa a confiança e segurança a tudo o que está ao redor. Ela é opção para que os outros respirem, descansem. Requisito imprescindível é que alargue horizontes, que seja compartilhada com outros. Acompanha toda pessoa aberta que assume o futuro com ombros largos onde cabem outros. É o termômetro do tempo doado, de uma cruz assumida e que pode libertar a muitos.
É a linguagem da novidade, a oferta irrenunciável e, talvez, o desafio mais necessário: recordar ao mundo que Pai se diz sorrindo, que Filho se pronuncia rindo e que é o rastro indiscutível de um Espírito que só pode ser Santo.
A Igreja, por vocação e missão, deve ser alegre. Toda ela é profecia de alegria e esperança.
Na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, do papa Francisco, aflora um sentimento vivo da alegria do evangelho que enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus, em contraste com o risco da tristeza individualista, busca de prazeres superficiais e o isolamento do mundo atual. O Evangelho é fonte de alegria e de vida, um contentamento que brota do encontro com o Cristo ressuscitado. É genial que a primeira experiência do Ressuscitado tenha ficado associada ao regozijo extremo, ao júbilo irrefreável e à animação incontrolável. Alegria com sabor de reencontro, satisfação por uma vitória (nada menos que frente à morte), glória bendita.
Esta alegria é a que impulsiona os cristãos a evangelizar, a anunciar a boa e sempre nova notícia da salvação e do amor de Cristo. Por isso, os cristãos não devem ter cara de funeral, nem de quaresma sem Páscoa, mas irradiar ao mundo a alegria de Cristo.
Páscoa é passar de uma Igreja envelhecida, triste, com rosto amargo a uma Igreja jovem e alegre, fermento na sociedade, com a alegria e a liberdade do Espírito.
* A aceitação da própria condição humana lhe ajuda a celebrar a vida em todas as circunstâncias e a saborear a realidade, cheia de riscos, incerta e insegura para todos, mas, ao mesmo tempo, única e irrepetível para sempre.
* Reze de coração alegre uma oração nova, a “oração do sorriso”. Chore os seus pecados, mas ria do pecador que você é. A partir de então, o ruído do riso solto, inexplicável e explosivo, lhe avisará de que Ele está por perto. Abra-se à presença misteriosa do Ressuscitado que quebra a rigidez da vida e desata a alegria contida.
Se sou alegre ou sou triste?…
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sei que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim…
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim…
Mas a alegria é assim…
Fernando Pessoa