No interior de uma gruta Deus se veste de mundo
“…pois não havia lugar para eles na hospedaria”
(Lc 2,7)
Na noite de Natal, Deus “desce” aos rincões da humanidade; uma intensa Luz brilha no interior de uma gruta e se expande em direção a todo o universo. “Deus se veste de mundo”.
As grutas sempre despertaram fascínio nos seres humanos; elas possuem uma força atrativa e guardam segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente de retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento…
A contemplação do Nascimento de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o Grande Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em matéria de consideração, oração silenciosa e surpreendida.
É que nada é digno de Deus, nada está à sua altura para poder acolhê-Lo: nenhum tipo de ornamento, nenhum palácio, nenhuma forma de sabedoria humana.
Por isso, Deus decidiu escolher um lugar despojado de tudo, onde não há concorrências ridículas: gruta, manjedoura, pobreza…
Acolhido pela natureza, presente na Gruta, Deus se deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca mais saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano.
Na pobreza, na humildade da própria gruta pessoal, inserida na grande quantidade de grutas de refugiados e excluídos, torna-se possível acolher o dom do amor de Deus, visível na Criança de Belém.
O Nascimento de Jesus inspira a nos deter para escutar-sentir o significado da gruta, para nossa vida e para a comunidade cristã.
A gruta não é um fim em si mesma, não é um fim de trajeto; ela é uma etapa imprescindível para compreender a Encarnação. Ou seja, o cristianismo não passa de uma boa ideologia se não desce da cabeça às entranhas da vivência. A gruta é algo assim como as entranhas da humanidade, onde se sente a vida, porque é um espaço natural, sem cimento nem tijolos, sem paredes divisórias, aberto.
A gruta é essa abertura da natureza que acolhe e abriga: ela é espaço para refúgio, proteção do frio, último recurso diante do despejo. Francisco de Assis, em sua vivência de Natal, no-la encheu de natureza: animais, vegetação, riachos…, tudo em expectativa, tudo em seu estado puro: a nova criação com a chegada do menino que nela encontramos.
Temos medo da gruta, das entranhas da vida, da história e de Deus, porque a gruta contém o Deus que se veste de mundo, como o seio materno contém a criança que virá.
A gruta está dentro e fora de nós. Dentro, ou seja, esse lugar marginal de nosso ser que não nos atrai, porque é escuro, frio, não visitado, nos dá medo entrar…; e, fora de nós, a gruta é esse lugar da noite, sem luz artificial, que intimida aproximar-nos porque não sabemos quê ou quem podemos encontrar. Talvez pessoas que nos olham com suspeita ou com carinho, nos acolhem ou nos rejeitam…
De qualquer forma, só uma coisa importa fazer agora: diante da fragilidade de uma criança, ampliar o olhar, afastar o medo, tirar o pó das lembranças não integradas…
A gruta interior é uma abertura natural na rocha dura da vida. Nela, se supero os medos e acesso às suas profundezas, descubro-me habitado pelo Amor; entrar na gruta de Belém torna-se uma privilegiada ocasião para soltar as amarras internas, tirar as paredes que separam ou dividem, abrir espaços acolhedores…
E, para entrar, é preciso agachar-se, descer de nosso ego inflado, das vaidades… Só quem se inclina pode acolher uma criança nos braços. Para encontrar Deus é preciso empreender o caminho de “descida”, dirigir o olhar e o coração para o próprio interior e para o mundo da exclusão.
O mundo é uma pousada, lugar de passagem onde homens e mulheres, maiores e menores, devemos ir construindo lugares de encontro. Mas Deus quis vir à pousada dos homens e não encontrou lugar nem na cidade, nem em nenhuma estalagem. Não tinha o que era preciso ter: dinheiro, poder, influências…
Portas e corações se fecharam ao pedido de ajuda de uma família, apesar da evidente necessidade urgente que eles tinham de alojamento. “Para eles não havia lugar na hospedaria” (Lc 2,7). Uma cocheira de animais funcionou como “centro de acolhimento”.
Assim, a vida de Jesus, desde o início, foi muito semelhante àquela de um “clandestino”: indesejado e incômodo. E Ele continua vindo a nós sob o semblante do clandestino. “É inútil procurá-lo nos prestigiosos palácios do poder onde se decide a sorte da humanidade: não está ali. É vizinho de tenda dos sem casa, dos sem pátria, de todos aqueles que a nossa dureza de coração classifica como intruso, estrangeiro, refugiado” (Tonino Bello)
Mas era Deus e nasceu, ainda que fosse fora, no descampado, no que então era uma gruta de pastores, um lugar para guardar animais.
Jung dizia: “somos tão somente o estábulo onde nasce Deus”. A gruta está sem defesa, por isso, entram as chuvas e também o frio; mas é precisamente nas fendas de sua pobreza onde ocorre o nascimento da Vida, onde acontece, desde aquela noite, a manifestação da glória de Deus, o perfume de sua compaixão.
É surpreendente que a pequenez e a vulnerabilidade sejam o cartão de visitas de Deus. O Natal é o memorial desta verdade, sempre esquecida. Deus não nos estende a mão a partir de cima, senão que se mostra necessitado, dentro de uma gruta. Ele nos ajuda a partir da fragilidade. Ele está “envolvido em faixas”, deitado em cima de palhas, como se não houvesse outro modo de se revelar.
Na presença de uma Criança tudo é aceito e acolhido, tudo encontra seu lugar. Nada é rejeitado: o sujo e o que não conta, o desprezível, o mal olhado, perdem seu aspecto desagradável e se ungem de calor e suavidade. Tudo fica transformado pela irradiação da luz que emerge a partir de dentro; há muito mais dignidade e beleza onde sequer poderíamos imaginar.
Na Encarnação e Nascimento de Jesus esvaziou-se o céu; Deus, em sua misericórdia, abandonou o trono altíssimo, exilou-se nas entranhas profundas da humanidade e assumiu tudo o que é radicalmente humano.
Se a história da Encarnação começa lá “embaixo”, na periferia, quer dizer que a fé em Deus implica prestar atenção na manifestação do amor materno e na frágil beleza do recém-nascido.
É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus; é também por este caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos.
No momento em que o Verbo de Deus assume um rosto, todo ser humano chega à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o Infinito e recebe uma dignidade infinita.
Textos bíblicos: Lc 2,1-14
Na oração: Contemplar o rosto do recém-nascido… Contemplar nele os rostos desfigurados da história.
A cena do Nascimento de Jesus pede tempo, presença, assombro… para deixar-se afetar por ela; “… como se estivesse ali presente, com todo acatamento e reverência possível” (S. Inácio