Ano novo: um oceano inteiro para navegar
“Foram às pressas em Belém e encontraram Maria e José,
e o recém-nascido deitado na manjedoura”
(Lc 2,16)
Hoje começamos mais um “novo ano”. Segundo S. Gregório de Nissa, “na vida cristã, vamos de começo em começo, através de começos sem fim”. Recomeçar contínuo, no qual nos colocamos sempre de novo à escuta do Espírito para nos deixar conduzir por Ele em direção ao vasto oceano da vida.
O Evangelho de hoje nos revela que o caminho para uma vida expansiva começa no acesso a uma simples gruta, para acolher a admirável profundidade que a cena do nascimento de Jesus des-vela e que, em seu nível mais interior, fala de todos nós. Ali nos encontramos com um recém-nascido e seus pais, com pastores, com um presépio, com uma mulher que “guarda” um segredo, com a glória e o louvor de Deus… Os pastores, o presépio, o recém-nascido… representam a realidade inteira: somos nós mesmos, é tudo o que nos envolve neste preciso momento, são todos os seres… Toda a cena, marcada pela simplicidade, quer introduzir-nos em um Silêncio admirado e agradecido, pleno de luz e de encanto.
Trata-se de um convite a aprofundar no Mistério que aí se expressa. Tudo está aí; quando sabemos olhar descobrimos que tudo está cheio da Presença que dá sentido à nossa existência e nos move a uma vida sempre mais ampla.
É incrível que a pequenez e a vulnerabilidade sejam os cartões de visita de Deus. O Natal é o memorial desta verdade, que normalmente esquecemos. Deus não nos estende a mão a partir de cima, senão que se mostra necessitado a partir de baixo; Ele nos ajuda a partir da debilidade, da fragilidade, como se não houvesse outro modo de poder ser compassivo.
As primeiras testemunhas deste intercâmbio foram alguns pastores. Para seus contemporâneos, eles não eram bem-vistos; no entanto, são eles que acolheram com assombro a grande novidade, imperceptível para aqueles que estavam “cheios de si”; eles estão despertos enquanto outros dormem.
Em um primeiro momento, receber de golpe tanta luz os cega, e o medo se apodera deles. Sempre que temos possibilidade de mais luz em nossa vida, rondam também os medos. Ver de novo, ver outras coisas diferentes daquilo que acreditávamos ver, que temos nos acostumado a ver, é também nascer de novo, e toda transformação se encontra bloqueada pelo medo. Ao lado do medo, dentro de sua concha, a pérola da alegria aguardando ser descoberta.
Precisamos despertar o pastor interior que há em nós, nossa capacidade de atenção e vibração com a vida, de buscar com outros, de deixar-nos surpreender.
A luz e a voz põem os pastores em marcha. Preciosas mediações que mobilizam sua busca e encaminham com prontidão e rapidez suas vidas para o encontro. Os sinais são mínimos, cotidianos, demasiado simples: um menino, umas faixas, um lugar onde os animais frequentam…
Eles não tinham visto nascer outros meninos de noite e em condições de pobreza? Por que aquele ia ser diferente? Como poderia esta indefesa criança trazer tanta alegria, tanto amor, tanta paz? Precisam ir juntos para descobrir isso: “Vamos até Belém para ver”.
Há muito que ver em Belém, mas nem todos os olhares podem recebê-lo. Há olhares opacos que não se alegrarão, e olhares desconfiados que não o entenderão. Somente os olhares e os passos dos pobres e pequenos se admirarão, e a paz do coração será sua recompensa. Uma paz que, a partir deles, transbordará.
Esta cena de hoje, tão despojada e carregada de luz, será a plataforma de lançamento para este Novo Ano que começa. Ao entrar na Gruta de Belém e na própria gruta interior, muitas perguntas provocativas brotarão e nos mobilizarão a assumir este novo tempo (kairós) com mais inspiração.
Como será este novo ano? Quê desejo busco de verdade? A quê me dedicarei meu tempo mais precioso e importante? Quê seria para mim algo realmente novo e instigante neste novo ano?
Lembro-me de uma publicidade que apresentava este slogan: “Qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?”
Continuarei vivendo sem saber exatamente o que quero, nem para que vivo, passando de preocupação em preocupação, através de preocupações sem fim? Viverei de forma rotineira e normótica, ou aprenderei a viver com espírito mais criativo?
O “novo” deste ano não virá a nós de fora; a novidade só pode brotar de nossa interioridade. Como cuidar essa dimensão interior, que às vezes parece tão atrofiada? É da interioridade destravada que brotam dinamismos expansivos que nos projetam em direção a vastos horizontes.
Descobrimos na entranha da natureza humana a força do “magis”, a exigência de infinito e de transcendência que cada um carrega no seu eu mais profundo, impedindo-o de instalar-se na mediocridade de sua vida.
Todo ser humano vive, nas raízes do seu coração, uma tensão para o “mais”, que sacode o adormecimento ou a satisfação descompromissada, na qual poderia sentir a tentação de instalar-se.
Nada mais contrário ao “mais” que a vida instalada e de alguma maneira acomodada, que consistiria na pura repetição mecânica dos mesmos gestos e das mesmas ações, ano após ano.
Também se opõe ao dinamismo do “mais” uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores…
Numa vida assim faltaria por completo o princípio da novidade, da criatividade, a capacidade de questionar-se e de uma orientação nova, a audácia de arriscar, de fazer caminhos ainda não percorridos ou abertos à aventura e às surpresas.
É assim que a vida, em lugar de estancar-se em si mesma no mecanismo de repetição, se converte em história, atravessada por uma busca e uma vontade de construção contínua de si mesma.
Para aquele que deixa manifestar no coração de sua vida a inquietude que o habita, o “Novo Ano” vem remover e questionar a satisfação demasiado tranquila e fácil; tempo instigante que sempre pede ir mais longe, mesmo que seja a preço de muita luta e esforço.
“Querer e buscar mais” significa não contentar-se com um compromisso reduzido, com um fechar-se num mundo pequeno, no qual o dinamismo do desejo aberto ao infinito se afoga.
A expansão de horizontes e de sonhos deve ser buscada no mais íntimo do coração, mediante o descentramento de si mesmo, como impulso para os “grandes espaços”.
O que desbloqueia a força da busca e do compromisso é o encontro com a Criança de Belém; estar diante dela implica sacudir de si toda forma de apatia e de fraqueza, rechaçar toda tendência à acomodação e toda tentação de apegar-se a medidas muito reduzidas, ao tédio e ao costume.
Texto bíblico: Lc 2,16-21
Na oração: Todo encontro com a Criança Divina desencadeia um movimento expansivo da vida: o que me prende? O que me atrofia? O que me limita?…
– 2021 será um ano a mais, dedicado ao ativismo, acumulando tensão e nervosismo ou terei tempo para o silêncio, o descanso, a entrada na gruta para o encontro com Aquele que se “humanizou”?
– A partir do “olhar” admirado dos pastores, desejo viver, ao longo deste ano, um processo minucioso de extirpação das “cataratas” do meu olhar interior: o olhar das lembranças negativas, das suspeitas, dos julgamentos, das comparações… e reacender o olhar contemplativo capaz de expressar a benevolência, a delicadeza, a acolhida, a serenidade, a modéstia a alegria simples de estar juntos…