Jesus e o anúncio do Reino
15 de outubro de 2019

Jesus e o anúncio do Reino

Benedito Ferraro

 

O Reino de Deus é o centro da mensagem de Jesus. Aparece 162 vezes no Novo Testamento, sendo 121 vezes nos evangelhos sinóticos (para um aprofundamento do tema, há uma obra simples e acessível que poderá ajudar o leitor(a) a compreender a contextualização da mensagem de Jesus no quadro do Novo Testamento: VV.AA., Evangelho e Reino de Deus, “Cadernos Bíblicos”, 69, São Paulo, Paulus, 1997). Palavra, portanto, muito importante para se conhecer a mensagem de Jesus. A palavra “Reino” (do grego – basilèeia e do hebraico – Malkut) está ligada à grande expectativa de mudança da literatura apocalíptica. Deus vem para mudar a sorte de seu povo. Jesus, visto como profeta, no seguimento de João Batista, prega a chegada do Reino de Deus: “Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galileia, pregando a Boa Notícia de Deus: “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mc 1,14-15). Anuncia que a era messiânica com todos os seus dons e bens está acontecendo e que os pobres são os primeiros destinatários dessa Boa Nova: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

Jesus “desengaveta” um texto do profeta Isaías (Is 61,1-3), escrito há mais de 500 anos e que retoma o anúncio do “Ano de graça do Senhor”. Na verdade, é a retomada do “Jubileu” bíblico, em que as terras deviam voltar aos seus antigos donos (cf. Lv 25.8-17. Dt 15,1-23; Ne 5,1-11), criando as condições para uma sociedade justa, solidária e de igualdade. É nesta direção que o papa João Paulo II aponta a celebração do jubileu 2000, sugerindo o cancelamento da dívida externa dos países pobres, para que possam retomar o crescimento (TMA, 51) e, deste modo, contribuir, pelo menos, com a desigualdade existente na sociedade atual.

Entretanto, Jesus, ao “desengavetar” o texto de Isaías, atrai sobre si a oposição dos poderosos da época, pois sua proposta vem para modificar as relações sociais existentes na época. A perseguição não custa chegar. O próprio texto de Lucas já o sinaliza, indicando que a mensagem de Jesus é subversiva e precisa ser bloqueada: “Quando ouviram essas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e expulsaram Jesus da cidade. E o levaram até o alto do monte, sobre o qual a cidade estava construída, com intenção de lançá-lo no precipício” (Lc 4,28-29). Estamos aqui diante do tema do “bode expiatório”. Jesus é visto como alguém que subverte a “ordem” e por isso deve ser barrado. Em outras palavras, a mensagem do Reino é uma mensagem conflitiva, na medida em que mexe com os interesses das classes dominantes, que não aceitam as mudanças que podem trazer benefícios aos pobres e excluídos. Nós sabemos que Jesus foi coerente com essa mensagem e, por causa dela, foi perseguido durante sua vida e, mais tarde, foi morto. Jesus entra na história para pregar o Reino. É perseguido por causa do Reino e é morto por causa do Reino. Deste modo, é preciso compreender a importância do Anúncio do Evangelho do Reino, para se poder compreender a vida, a morte e a ressurreição de Jesus.

Um dos objetivos da mensagem do Reino, presente na literatura apocalíptica, é a de realizar a reviravolta da situação para que todos(as) possam participar plenamente da vida. São João traduz essa mensagem do Reino, mostrando que Jesus vem para que todos(as) tenham vida e vida em plenitude, em abundância (Jo 10,10). Por isso, sua prática é realizada na linha do resgate da vida. Nesse sentido, o Evangelho é, em primeiro lugar, o resgate da vida. É devolver a vida para quem está sendo excluído dela. “Evangelizar” é resgatar a possibilidade de vida para quem não tem vida. É recriar a “utopia” para quem está esmagado pela situação de opressão e exclusão e que não vê saída ou alternativa. O anúncio do Reino é abertura para o futuro e exige como atitude fundamental de todos(as), inclusive dos pobres, a esperança. Em outras palavras, a mensagem do Reino afirma que a última palavra é de Deus. Mostra que a presente situação pode ser mudada, pois Deus tem o poder de mudá-la.

A prática de Jesus, relatada pelos evangelhos sinóticos, mostra o Reino em realização. Na prática de Jesus o Reino vai acontecendo e as pessoas vão sendo libertas e salvas: “João estava na prisão. Quando ouviu falar das obras do Messias, enviou a ele alguns discípulos, para lhe perguntarem: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” Jesus respondeu: “Voltem e contém a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia. E feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim”” (Mt 11,2-6; cf. Lc 7,18-23). Esse relato da prática de Jesus mostra que Evangelho não é só “discurso” e muito menos uma “doutrina”. O Evangelho é “Boa Notícia” que muda a situação de vida das pessoas. É “Boa Notícia” que resgata a vida, isto é, devolve as condições de vida para quem não tem vida: quem não tem saúde, ter acesso à saúde; quem não tem casa, ter casa; quem não tem terra para plantar, ter acesso à terra; quem não é tratado como gente, ser respeitado como pessoa; quem já “está morto”, pois não acredita em mais nada, encontrar ânimo e esperança na proposta do novo que está chegando…

Muitos dirão que não podemos realizar o que Jesus realizou. Entretanto, no Evangelho de João, Jesus afirma: “Eu garanto a vocês; quem acredita em mim, fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas, porque eu vou para o Pai” (Jo 14,12). Jesus é o grande “evangelizador”. A Igreja tem como missão fundamental “evangelizar”. E nós temos que “evangelizar”, anunciar boas notícias. E para isso, hoje, temos que resgatar a vida de milhões de irmãos e irmãs que estão sofrendo. O grande mutirão da evangelização hoje é o resgate das dívidas sociais, como afirmam os bispos do Brasil no Documento Rumo ao Novo ao Milênio. Como Jesus, vamos assumir para valer esse desafio.