“Se queres, podes purificar-me” Mc 1,40
Só o horizonte do “querer” de Deus é garantia de superação de um horizonte que limita demais a expansão da vida. A partir do “querer” de Deus, nosso “querer” se amplia: no encontro dos dois “quereres”, algo novo acontece.
O parâmetro único e insubstituível é o querer de Deus. Só este querer é a garantia de um exercício de autoridade que se toma incontestavelmente um serviço à vida. Não é uma satisfação pessoal, nem um perpetuar situações favoráveis, cômodas ou agradáveis com o risco de uma incapacidade para ver as necessidades dos outros.
Em Mc 1,40-45, o leproso, dentro de sua necessidade, reconheceu que o “querer” é de Deus. A súplica que brota do seu coração toca o centro do coração compassivo de Jesus. Esta escuta direciona a ação terapêutica d’Ele. A lição do coração de Jesus é única; outro percurso é sempre perigoso e cria cenários de violência, exclusão, sofrimento…
O sentimento que baliza e dá a tônica no exercício da autoridade de Jesus é a compaixão.
Jesus revela sua autoridade e esta é o caminho para o serviço e a promoção da vida.
A autoridade de Jesus é sempre percebida como garantia e sustento da vida. Tem “autoridade” quem garante a vida e a recupera em todas as circunstâncias.
A compaixão esvazia toda pretensão de poder, pois ela projeta a pessoa para o outro, torna a pessoa sensível ao clamor e às necessidades do outro.
A compaixão, que toma conta do seu coração, é fruto do corajoso deslocamento para a margem, para a necessidade do outro. A autoridade de Jesus é sempre percebida como garantia e sustento da vida. Tem “autoridade” quem garante a vida e a recupera em todas as circunstâncias.
A vida do outro é a razão única da autoridade.
O outro, sua necessidade e sofrimento, será sempre a alavanca que gera no coração humano a compreensão e o exercício da autoridade como verdadeiro serviço.
Só a compaixão desloca cada um para o lugar do outro. Só a compaixão ilumina a realidade do sofrimento do outro. Só a compaixão move na direção da oferta do outro.
O fato de que Jesus se aproxime dos doentes e se deixe tocar por eles, ou de que os cure de forma pouco ortodoxa, era um atentado contra as normas de pureza que foi imposta à sociedade palestina daquele tempo. Jesus não teve receio em transgredir estas normas, pois só assim podia se aproximar daqueles que estavam em situação de exclusão.
O que chama a atenção é a “gestualidade” de Jesus: Ele se aproxima dos homens e mulheres de sua época, toca os enfermos, impõe as mãos, toma as pessoas pela mão, estende as mãos…
As verdadeiras curas e milagres de Jesus são, antes de tudo, gestos de “humanização evangélica”: de purificação humana, de libertação pessoal, de abertura à fé… que mostram que o dinamismo final do Reino implica na destruição da enfermidade e da dor.
Em Jesus a “comoção das entranhas” é o núcleo de sua ação curativa.
O sofrimento da multidão desperta n’Ele a compaixão e o amor. Curar é sua forma de amar e seu amor curador o impulsiona à proximidade, estima ao enfermo, respeito à capacidade de cura da própria pessoa. Seu amor que cura é gratuito.
Ao curar fisicamente uma pessoa, Jesus busca fazer emergir um ser humano mais são e inteiro, a partir de suas raízes, a partir de seu coração, centro e fonte das decisões. Jesus se compromete com a saúde radical e integral do ser humano, e devolve às pessoas a saúde de seu corpo, em suas emoções, projetos, relações e abertura ao Transcendente.
Através das curas Ele mobiliza todas as dimensões da pessoa, reestrutura seu universo relacional e abre sua interioridade à alteridade; ao mesmo tempo Ele potencia a liberdade do ser humano, recuperando a autonomia e a capacidade de dar direção à própria vida.
A enfermidade e o sofrimento têm muito a ver com a fragmentação, a dispersão e a divisão. A pessoa curada por Jesus recupera a harmonia, a unificação interior e a reconciliação com a vida.
Arriscar-se a curar o ser humano é arriscar-se a colocá-lo de pé, e encaminhá-lo na busca da verdade e da felicidade. A saúde implica viver desde a verdade.
Não falamos de um caminho de perfeição farisaica, mas de um caminho feito de feridas curadas, apoiado na autenticidade. “Curar”, para Jesus, significava levantar a cabeça daquele que estava encurvado pelo peso do legalismo e comprometê-lo responsavelmente a descer às profundezas de sua condição humana, para aí sentir-se em comunhão com todos os que foram gestados nas mesmas entranhas do Deus Pai-Mãe.
Ser curado implica assumir uma responsabilidade que leva a implicar-se na transformação pessoal e social. A saúde integral tem a “carga” da maturidade e da responsabilidade na própria vida e no próprio processo.
Seguindo a Jesus, sentimo-nos chamados não só a levar ajuda direta às pessoas que sofrem, senão também a reconstruir as pessoas em sua integridade, reincorporando-as à comunidade e reconciliando-as com Deus. Nossa missão encontra sua inspiração no ministério terapêutico de Jesus.
“Cuidar” de alguém é cuidar do que é saudável nele, porque é a partir desse estado de saúde que se poderá integrar e curar as feridas e fragilidades do outro. O cuidado mobiliza e potencia os recursos presentes no outro; é preciso despertar a consciência que todo ser humano tem reservas de riquezas, criatividade, inspiração, intuição…, e que toda pessoa precisa encontrar uma presença capaz de ativar e despertar o seu mundo interior.
Quando acolhemos a realidade e nenhuma venda nos impede ver o sofrimento do outro, a reação imediata é a compaixão; ela não se reduz a um mero sentimento empático; inclui, além disso, a ação por aliviar o sofrimento do outro e o risco de compartilhar seu destino.
A compaixão significa abraçar visceralmente, com as próprias entranhas, o sofrimento ou a situação do outro. Compadecer-se, aproximar-se, curar, cuidar… tecem a rede de ações que definem o compromisso solidário com o outro.
Na oração: pedir a graça de sentir a ternura, o carinho, a proteção e a cura das mãos benditas e providentes de nosso Deus; alargar o coração, para que aí a ternura e a compaixão de Deus possam fazer morada.