Eucaristia: da comunhão de pão à comunhão de vida
“Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os.” (Lc 9)
Comer e beber com outras pessoas é a coisa mais simples e importante que podemos fazer para reforçar nossa humanidade.
Comer é uma experiência humana e espiritual; sentar-se com outras pessoas em torno de uma mesa é sagrado. Se por acaso pudermos ter alguns desconhecidos à mesa, melhor ainda. O alimento possibilita a conversa – é sinal visível do Amor. Lembremo-nos, é preciso tempo: “fast food não nos faz bem!”
Tempo para saborear e sorver, deliciar-se e conversar…
Tempo para uma longa e lenta digestão de tudo o que é bom. O primeiro ingrediente é sempre o amor.
Em intervalos regulares, é necessário festejar. É uma dessas coisas que não se questiona. Sobreviver é animal; festejar é humano; ser um “animal festivo” é ser divinamente humano. Deus adora festejar.
Cada vez que comemos e bebemos, comungamos com o outro, com a terra, com todo o Universo. O pão é vida concentrada; vida em forma de alimento. No repartir do Pão palpita a vida que transcende as fronteiras existenciais. Cada vez que comemos, o fazemos com profunda gratidão e veneração ao que recebemos, e compaixão pelos que não podem comer.
Cada bocado que mastigamos é um gesto sagrado: comungamos com o Todo, o Ser, a Vida. O que importa é que seja fruto da terra e do trabalho, sacramento da vida e do mundo novo. Comungamos com a grande Comunhão ou com o Mistério de Deus. Viver é com-viver.
É preciso ir a fundo no profundo significado e sentido desse gesto: partir o pão é o símbolo ancestral que nos revela as entranhas da humanidade, ou seja, compartilhar a necessidade.
Isso acontece em cada refeição, e a Eucaristia não é nada mais do que isso, porque não pode haver nada maior que uma simples refeição. O simples é o pleno. O cotidiano e natural é o mais sagrado.
Jesus de Nazaré sonhava e anunciava outro mundo possível e o chamava “Reino de Deus”. E, para explicar como seria esse outro mundo, já neste mundo, não lhe ocorreu coisa melhor que organizar uma alegre refeição no campo: cada um levou e compartilhou o pouco que tinha; todos se saciaram e ainda sobrou muito. O pão nas mãos de Jesus era pão para ser partido, repartido e compartilhado.
Jesus anunciava o “Reino de Deus” como uma grande mesa com abundante pão e sem nenhum excluído.
Sua religião é a religião da refeição; na verdade Jesus rompeu com a religião e com tudo aquilo que impedia que todos comessem juntos, que impunha jejuns, que declarava impuros alguns alimentos e proibia compartilhar a mesa com os chamados pecadores, que quase sempre eram os pobres.
Alguém teve a ousadia de afirmar que mataram Jesus por seu modo de comer; em suas refeições escandalosas e provocativas Ele anulava as fronteiras entre santos e pecadores, puro e impuro, sagrado e profano. Algo intolerável. Os dirigentes religiosos e as “pessoas de bem” o chamavam de “comilão e beberrão, amigo dos pecadores”.
Segundo os relatos dos Evangelhos, durante sua vida pública, Jesus transitou por muitas refeições, propôs a grande mesa da inclusão e, para culminar, organizou com seus amigos mais próximos uma ceia de despedida e de esperança. Ali, ao partir o pão e passar o cálice, pediu que se recordasse dele toda vez que comessem ou bebessem juntos, reavivando a esperança de construir o mundo que todos esperavam. Eles se transfigurariam e o mundo se transformaria em Comunhão toda vez que este gesto fosse repetido.
Assim fizeram seus seguidores: após a Ressurreição Jesus foi “reconhecido ao partir o pão”; foi reconhecido não porque estava no templo ou ensinava na sinagoga, mas porque partia o pão. Jesus fez do universo seu corpo e se faz pão para nós.
Por isso, no primeiro dia da semana, reuniam-se todos nas casas, oravam juntos, recordavam a mensagem de Jesus, comiam o pão, bebiam o vinho e a Vida ressuscitava. A isso chamavam, “ceia do Senhor” ou “fração do pão”. Tudo era muito simples e despojado.
Séculos depois, a simples refeição foi se complicando. A casa se converteu em templo, a refeição em “sacrifício”, a mesa em altar, o convite em obrigação, a partilha em exclusão… A festa de “Corpus Christi” pode ser ocasião propícia para voltarmos ao mais simples e pleno, para além dos cânones, rubricas, pompas e indumentárias que não tem nada a vez com Jesus.
Basta nos reunir em um lugar qualquer, para recordar Jesus, compartilhar sua palavra, tomar o pão e o vinho, ressuscitar a esperança e alimentar o sonho do Reino.
Essa é a Missa verdadeira, a verdadeira missão.
A transformação das relações humanas se dá através do partir o pão e do passar o cálice de vinho; como o pão é um, comer desse pão nos faz todos um. A Eucaristia faz de todos nós Corpo de Cristo. Daí o interesse da primitiva Igreja em que na Eucaristia comungassem todos do mesmo pão partido, com a finalidade de fazer visível essa unidade de todos.
Ninguém ceia sozinho. Há um partir, um distribuir, mãos que se tocam, olhares que se encontram.
E, em tudo isto, sensação como se fosse a de uma “conspiração”.
Conspirar, com-inspirar, respirar com alguém, juntos.
Conspiradores: respiram o mesmo ar. Jesus e os discípulos, comendo o Pão e bebendo o Vinho respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino.
É assim a comunidade dos cristãos, a Igreja: juntos, conspirando, mãos dadas, comem o pão, bebem o vinho e sentem uma saudade/esperança sem fim…
Tomar o pão e o vinho da Eucaristia é fazer memória de uma presença que nos compromete.
Discípulos de Jesus somos quando aprendemos a partir o pão. Reconhecemos os cristãos hoje quando partem o pão e não o armazenam. O pão armazenado, como o maná no deserto, se corrompe, apodrece.
Compartilhar significa não “monopolizar”, não permitir que haja necessitados entre nós.
O pão partido é a vida compartilhada: meios, tempo, qualidades.
O cristão, além disso, compartilha seus ideais, seu entusiasmo, seu ânimo, sua fé, sua esperança.
Também hoje Jesus precisa de nossas mãos para multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja repartido.
O pão sem coração é pão “monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.
O pão sem coração gera divisões e conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!
Deus precisa de nosso coração para que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade, alimento de comunhão, energia de vida.
Textos bíblicos: Lc 9,11-17
Corpo de Cristo
Olhos inquietos por verem tudo. Ouvidos atentos aos lamentos, aos gritos, aos chamados. Língua disposta a falar verdade, paixão, justiça… Cabeça que pensa, para encontrar respostas e adivinhar caminhos, para romper noites com brilhos novos. Mãos gastas de tanto servir, de tanto abraçar, de tanto acolher, de tanto repartir pão, promessa e lar. Entranhas de misericordiosas para chorar as vidas golpeadas e celebrar as alegrias. Os pés em marcha em direção a terras abertas e a lugares de encontro. Cicatrizes que falam de lutas, de feridas, de entregas, de amor, de ressurreição.
Corpo de Cristo… Corpo nosso.
(José María Olaizola, SJ)