Caminho da cruz – Caminho do sim
“Deformitas Christi te format”
(O Cristo desfigurado te configura)
O processo de con-viver com Jesus para mais amá-lo e segui-lo nos vai conduzindo também a aprender a con-morrer com Ele. Trata-se de uma experiência com Jesus Cristo que levou até às últimas consequências a opção pelo Reino. É o momento de confirmar nossas opções com o selo da autenticidade.
Há dois aspectos na Paixão de Jesus Cristo:
– um externo, que todos podemos contemplar e ver: a paixão corporal;
– um íntimo, ao qual não temos facilmente acesso a não ser por uma fé humilde, penetrada de respeito e amor: a paixão do coração de Jesus. É esta que devemos aprofundar. As considerações particulares tem por objetivo nos orientar para as profundidades íntimas e misteriosas da Paixão.
A vida de Jesus é toda orientada para a Cruz; os relatos evangélicos não são mais do que “histórias da paixão com uma introdução pormenorizada”. Toda a vida de Jesus foi Cruz e Martírio. Sua morte não é uma morte serena; não apresenta traços de arrogância heroica, nem de passiva aceitação do destino, tampouco de fanático entusiasmo. É a morte de um homem que foi humilhado até o máximo. É a reação mais violenta contra o Reino de Deus.
Jesus não viveu para a CRUZ.
Se a cruz é de tal modo exaltada que a vida e a ação de Jesus acabam sendo reduzidas a ela, então acontece que ela passa a ser angustiante e aflitiva, incapaz de convidar ao seguimento ou de acender a esperança. Convém vê-la como o que realmente foi: um episódio que nasce de sua vida plena e transbordante, de sua liberdade tão soberana que o fez capaz de enfrentar a própria morte, mostrando justamente o valor, a coerência e a plenitude de sua Vida.
A Cruz não foi um acontecimento que chegou a Jesus de repente. Sua vida foi um lento aprendizado da morte. Fazia tempo que Ele vinha carregando sua cruz; estava familiarizado com ela. A cruz ensina a “desgastar-se”, a “consumir-se” no serviço do Reino e não a prolongar uma vida egoísta.
A Cruz, o sofrimento, considerados em si mesmos, não são salvadores. A Paixão e a Cruz de Jesus separadas da sua Vida e da sua Ressurreição, não tem caráter salvador.
A Cruz de Jesus Cristo tem sentido salvífico na medida em que resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida entregue ao Pai e ao serviço aos irmãos. É a qualidade de vida vivida por Jesus, incluindo sua Morte e Ressurreição que é salvadora. O sangue derramado, a paixão e morte de Cruz tem sentido salvífico, sim, mas porque são a expressão mais potente, a radicalização máxima de uma vida gasta a cada minuto no amor-serviço.
A Cruz é sinal do cristão, porque expressa com toda radicalidade a entrega de Jesus. A entrega vivida cada momento da sua vida culmina na entrega final da própria vida, na morte. O anúncio da sabedoria da Cruz faz parte fundamental da fé cristã. Mas não se trata de uma Cruz pela Cruz, do sofrimento pelo sofrimento. O que torna valiosa a Cruz é a qualidade de vida de Jesus, que culmina na Cruz, mas é vivida no dia-a-dia, durante toda a sua existência.
A contemplação do Crucificado que S. Inácio nos propõe na 3ª Semana nos impulsiona, nos capacita radicalmente e nos dá a chave para “olhar” os crucificados de nosso mundo, os excluídos de nossa sociedade. Trata-se de descobrir em cada um de seus rostos o rosto de Deus que se humanizou neles, que se fez tão solidário com eles, que morre neles…
2ª contemplação: “Da Ceia ao Horto” (EE. 200-203)
Jesus está no Getsêmani, no fim de seu caminho, no momento em que lhe é apresentada a consequência extrema de sua escolha de amor. Jesus sente uma necessidade imensa de proximidade amiga: “Ficai aqui e vigiai comigo” (Mt 26,38). Mas é deixado sozinho, tremendamente sozinho diante do seu futuro, como acontece nas escolhas fundamentais do homem: “Não fostes capazes de vigiar comigo por uma hora!” (Mt 26,40).
Ele é colocado, mais uma vez, da maneira mais violenta, diante da alternativa radical: salvar a própria vida ou perdê-la, escolher entre a própria vontade e a Vontade do Pai. “Abbá, Pai! Tudo te é possível, afasta de mim este cálice” (Mc 14,36). No momento em que confirma o sim de sua liberdade radical, agarra-se totalmente ao Pai e o chama com o nome que revela a sua confiança e ternura: “Abbá! Não é o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc. 14,36). O sim de Jesus brota do Amor sem reservas; na hora suprema Ele escolhe de novo o dom de si, coloca-se nas mãos do Pai com uma confiança infinita e vive a sua liberdade como libertação, liberdade de si mesmo para o Pai e para os outros.
É a liberdade de quem encontra a própria vida perdendo-a, a capacidade de arriscar tudo por amor, a audácia de quem entrega tudo. No Evangelho de Marcos, a Paixão de Jesus não é uma simples sequência de fatos, mas um confronto entre pessoas. Os diversos personagens entram em contato direto com Jesus, reagindo cada um a seu modo, vivendo cada qual o mistério do próprio chamado e da própria tomada de posição frente a proposta de Jesus.
Contemplar toda a galeria de pessoas que entra em contato com Jesus. Cada qual com uma resposta diferente, diante de Jesus sempre igual em sua atitude de disponibilidade e de entrega. Todos giram em torno d’Ele como um dramático carrossel e Ele, com seu silêncio, domina tudo. Contemplamos as pessoas que se agitam, que fazem e dizem uma coisa e outra e Jesus que, com sua presença silenciosa, está no centro, dominador de toda uma situação caótica e convulsiva. Com seu simples “estar aí”, Jesus não fala, Jesus não julga; são as pessoas que são julgadas. Sua presença é provocativa.
Textos bíblicos: Mc 14,27-31; Mc 14,32-42; Mc 14,43-52; Mc 14,53-65; Mc 14,66-72; Mc 15,1-15; Mc 15,16-20.