Sabedoria do coração
“Gostaria de pintar o retrato do meu coração”
(Ticiano)
O ser humano tem um coração capaz de deixar ressoar o mistério de Deus como o caracol deixa ressoar o som do mar.
O ser humano é, em sua entranha mais profunda, um ser vocativo: está habitado por desejo irreprimível de autotranscendência e autorealização.
Por isso, em seu coração se dá o cruzamento de múltiplos chamados: a felicidade, o bem, os valores, o desconhecido, a aventura; apaixona-lhe a busca da luz, o encontro com o melhor de si mesmo.
Quando escutamos o nosso coração com muita atenção encontramos uma caixa sensível de ressonância. Ressoa o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da relação, da plenitude, impulsiona nossas vidas para fora e para frente. Quando “olhamos” o coração com olhos de amor percebemos sua bondade, seus sonhos, suas nostalgias; talvez suas feridas e decepções. Descobrimos um mundo excitante de aspirações à unidade, à feliz plenitude.
O coração humano está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos. Busca ardentemente a pacificação, a unificação interior e cósmica. É capaz de passar da nostalgia à profecia, do medo à esperança, do cálculo mesquinho ao risco esperançoso de caminhar para o novo.
Sabedoria rica e nova: o nosso coração é “sábio” quando sabe “saborear a verdade”, quando é livre, quando intui a direção da própria existência, quando se sente “seduzido” pelo que é verdadeiro, bom e belo.
Cada pessoa leva dentro de si a “pegada” de Deus. A imagem de Deus atua sob a forma do desejo insatisfeito. Deus é o Amor impossível do homem. Sua presença é uma ausência ardente.
A vida e as qualidades de cada pessoa constituem um mostruário dos dons do Espírito derramados e ativos em seu dinamismo existencial.
Deus libera em nós as melhores possibilidades, a melhor música; ilumina os olhos do nosso coração para que possamos ver-nos com Sua Luz amorosa e descobrir em nós nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, irrepetíveis, responsáveis (capazes de resposta).
Deus vem ao nosso encontro no ponto decisivo onde vai se modelando a nossa vida. A Palavra de Deus atinge-nos nos valores que consideramos vitais.
“Que procurais?”
É a pergunta que Jesus dirige aos dois discípulos de João Batista (Jo l,38). Ele procura as aspirações profundas da pessoa, aquilo a que aspira de forma definitiva, isto é, a qualidade dos desejos profundos.
Ele quando se depara com pessoas que já não procuram nem desejam nada, “inquieta-as”, “provoca-as”… e põe-nas à procura. É assim que Ele sonda o coração da Samaritana, para descobrir nela o desejo de Deus e lhe propor a Água Viva. Evangelizando-nos, Jesus coloca a sua Palavra “no” nosso coração. É muito além de nossa razão, da experiência da nossa vida moral; é no coração, fonte de toda a nossa vida.
Na oração, devemos deixar elevar-se até à consciência os desejos que estão no mais profundo do coração, escutar as “vozes profundas”… A oração é o tempo propício para detectar as aspirações, colocá-las a nú sob o olhar de Jesus Cristo. São aspirações existenciais, sem as quais não tem sentido viver:
– desejo de viver feliz e fugir do drama angustiante da morte;
– querer descobrir o sentido da própria existência (“de onde venho? para onde vou?”);
– querer amar e ser amado (somos feitos para o encontro, a partilha, a alegria, a comunhão…);
– desejo da liberdade;
– sede de Deus (somos feitos para Deus e só encontraremos a felicidade repousando n’Ele);
Jesus Cristo é Aquele que satisfaz todas as nossas aspirações humanas, excedendo-as infinitamente.
Texto bíblico: Lc 11,47-54
Na Oração:
– abra as comportas do coração e permita que a Água viva lhe inunde até o mais profundo do seu ser;
– normalmente, a oração se apresenta como um amanhecer, com neblinas, nuvens e pequenos raios de luz que, mais que iluminar, parece dizer-nos: “Confie que Eu existo!”.
– na origem de toda oração há a tomada de consciência do olhar de Amor de Deus que nos cria sem cessar;
– não podemos reduzir a presença de Deus a um estar ali, num frente a frente de curiosidade, de justaposição, de dependência ou de necessidade; é comunhão, um sair de si para o outro. A oração é, em primeiro lugar, uma experiência de ser e de presença.