Retiro “Eu vim para Servir”. Dia 6
5 de outubro de 2020

2 – Louvor e serviço: amor criativo

“O ser humano é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor…”
(S. Inácio)

No Princípio e Fundamento dos Exercícios Espirituais, o louvor é a resposta que brota espontânea quando a pessoa ao sente-se inundada pela glória e graça de Deus; é uma reação que nasce das entranhas em resposta à presença ativa e cuidadosa de Deus na Criação.
O louvor é como o eco da Glória: um eco livre e emocionado de agradecimento pela vida e pela Criação.
Como não se extasiar diante da majestade e grandeza da Criação?
Louvor é harmonia da pessoa com Deus e suas obras; é sintonia profunda com a glória transbordante de Deus. Viver em louvor é viver em acorde, em ressonância com Deus e seu Reino.
É através do louvor que o ser humano deixa ressoar em sua vida a obra de Deus.
Seu modelo melhor é o Magnificat de Maria. Trata-se de um louvor que se identifica com o mais profundo do ser humano: “O Senhor fez em mim maravilhas”.
Mas o “louvor” desemboca no “serviço”. Louvor a Deus e o serviço a Deus e aos irmãos: duas atitudes cristãs essenciais que devem estar sempre unidas.Uma não pode existir sem a outra.
Deus deve ser louvado com e na vida, ou seja, o serviço é visibilização do louvor que devemos a Deus.
O fato do “louvor” estar tão frequentemente unido ao “serviço”, nos põe em alerta contra a ilusão de um louvor estéril e vazio. De fato, o louvor sem o serviço é alienação; o serviço sem o louvor é escravidão.
O serviço, poderíamos dizer, é que garante a autenticidade do louvor, mas o louvor dá ao serviço aquele suplemento necessário para que este seja para a glória de Deus e não para a “autoglorificação”.
Não basta o serviço pelo serviço, nem é cristão o chamado à generosidade para um maior serviço, sem o louvor; corre-se o risco de esvaziar o serviço de sua dimensão mais específica: a gratuidade.
Daí a importância de integrar “louvor e serviço”, rompendo com o utilitarismo, o ativismo e o eficientismo, tão próprios de uma sociedade consumista e competitiva como a nossa.
Servir, no sentido bíblico, representa uma intimidade com a vida, uma forma de refinamento. O segredo de quem serve é estar na contramão do ego. Enquanto o ego busca projetar-se através do serviço, o verdadeiro servir faz uso do ato de amar. O eixo de quem serve é o prazer de poder “amar”. Enquanto o ego busca a auto-referência, o serviço descentra a pessoa em favor dos outros. No serviço, o centro é o outro.
Servir não é um ato de submissão ou subordinação. É, ao contrário, a conduta mais nobre e de independência que podemos alcançar. Um serviço não imposto a partir de fora, mas emanado de dentro, à vista da grandeza, da bondade e do esplendor de Deus; um serviço cheio de glória. Serviço que brota da gratidão diante de tudo aquilo que Ele tem realizado em nosso favor.
Serviço nutrido de reverência, isto é, do respeito que se deve a Deus e da veneração que provoca; a reverência brota do assombro transbordado por Aquele a quem servimos.
Em resumo, o PF nos ajuda a compreender o louvor como inseparável do serviço de Deus, que é propriamente a colaboração com sua obra, na missão. Quem busca a Deus é destinado à colaboração com Ele na criação. Chegamos aqui à profundidade da oração do “contemplativo na ação”, tão integradora que não se pode explicar um elemento sem o outro. O ideal cristão é realizar um serviço que, grávido de amor, seja expressão concreta do louvor e da glória de Deus. Um serviço assim nunca será ativismo e estará impregnado do sentimento do louvor do coração, que se desemboca na adoração de sua divina majestade.
O serviço encarna as “mãos”, enquanto o louvor, o “coração” do ser humano, criado com a missão de louvar e servir a seu Criador.
O serviço é a ante-sala do amor e inclusive uma forma de amar, à qual se assenta nas obras e não só nas palavras. Do mesmo modo o louvor que acompanha e fervoriza o serviço é também amor.
Somos “servidores” sendo “criadores”, à “imagem e semelhança de Deus”, o Criador.
O amor ágape é expansivo: nos alarga através dos nossos membros, mãos e pés.
Podemos dizer que o amor tem mãos e pés: mãos que cuidam, curam, abençoam… e pés que nos arrancam de nossos lugares rotineiros e nos deslocam para as margens, para o mundo dos pobres…
Quando o Amor nos habita tudo se torna sagrado. “O Amor é o que diz ‘sim’, em nós”: sim à vida, sim ao compromisso, sim à compaixão… Do serviço ao amor: amor que se converte em serviço e um serviço que se faz com amor. Amor em serviço. O serviço não é mais que o amor criativo.
Amar e servir: isso é ser contemplativo. Servir a Deus por puro amor: fruto dos Exercícios.

Textos bíblicos: Is 49,1-18; Lc 4,14-21; Mc 10,35-45