5 – Inacianidade:
caminho para as profundezas do próprio ser
“Santo Inácio me ensinou a teologia do coração”
(S. Felipe Neri)
S. Inácio nos apresenta uma antropologia da interioridade, do “sentir e saborear as coisas internamente”.
Mas não se trata de uma interioridade puramente introspectiva ou sentimental, e sim uma interioridade “alterada”, “habitada” e “constituída” por uma relação com Alguém.
S. Inácio distingue 3 pensamentos que podem alterar-nos: “um propriamente meu, o qual sai de minha mera liberdade e querer, e os outros dois que vem de fora: um que vem do bom espírito e o outro do mau”.(EE. 32).
Isto implica uma antropologia com alteridade, uma pessoa alterada e afetada por Outro.
A pessoa dos Exercícios se experimenta a si mesma constitutivamente alterada por Outro: “o ser humano é criado” e chamado, busca viver em sintonia com a Criação, deixando-se conduzir somente por um amor que “desce do alto”.
A interioridade, nos Exercícios, não se deleita nela mesma, senão que se constitui numa relação, na qual o Criador e Senhor se comunica à pessoa “abrazando-a” e “dispondo-a”, tirando-a de si, “alçando-a toda a seu divino amor”. Uma relação Criador-criatura na qual é desejável que não haja interferências, para que se “deixe agir imediatamente o Criador com a criatura e a criatura com o Criador” (EE. 15). Mas a relacionalidade, a interioridade e a alteridade encontram seu cumprimento fora de si mesmo, pois “tanto se aproveitará cada um em todas as coisas espirituais, quanto mais sair de seu próprio amor, querer e interesse” (EE. 169).
Toda pessoa possui dentro de si uma profundidade que é seu mistério íntimo e pessoal.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo “aquilo que se é, o porque do que se faz, se espera, busca e deseja”.
A própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida.
É no “eu mais profundo” que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.
Assim, a descoberta do nosso próprio ser profundo nos aproxima do autor da vida: Deus.
É no coração, “última solidão do ser”, que a pessoa se decide por Deus e a Ele adere. Aqui Deus marca “encontro” com a pessoa. “Deus é mais íntimo a cada um de nós do que nós mesmos” (S. Agostinho). Cada pessoa leva dentro de si mesma a “pegada” de Deus, que atua sob a forma de desejo insatisfeito.
A oração inaciana é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.
S. Inácio nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece.
Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, riquezas insuspeitas, capacidades, intuições… e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis… É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria interioridade.
Os que mergulham nas profundidades do oceano interior ficam fascinados pelo esplendor daquilo que contemplam. O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos…; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de auto-transcendência…
Textos bíblicos: Mt 13,44-46; Sab 7,7-30; Sl 138.
Na oração: Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao Senhor. É no mais profundo de nossa interioridade que escutamos o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”.