16 – Iñigo de Loyola, basco, espanhol, homem universal
Ao conhecer a vida de Santo Inácio poderíamos nos perguntar:
Como é que um filho das montanhas de Guipúzcoa (norte da Espanha), nascido num recanto de vale verde escondido entre montanhas, distante das grandes estradas e quase sem história, pôde elevar-se a ideais tão universais, sincronizar o seu coração com o ritmo do coração da Europa, preocupar-se com os problemas religiosos que afligiam a Igreja inteira, e dar soluções para o seu tempo e para o futuro?
Não podemos esquecer que Inácio de Loyola nutriu-se da Espanha, mais concretamente de Castela, viveu todos os ideais daquele reino e contemplou com exaltação o glorioso alvorecer da Idade Moderna.
Ele teve o privilégio de nascer numa época na qual não havia cidade espanhola em que não florescesse a figura de um herói, um missionário, um conquistador, um poeta, um sábio, um santo.
E algo parecido acontecia em outros países. A Europa, após o “Ocaso da Idade Média”, renascia com a luz da nova aurora e força pujante.
Coube a Inácio viver numa época europeia de efervescência ideológica e de inquietação religiosa.
Repentinamente as fronteiras desapareceram, varridas pelos ventos que impeliam as caravelas espanholas para o ocidente, os galeões portugueses para o sul e para o oriente.
E não basta que Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Magalhães dilatem o espaço geográfico: Copérnico revela que os homens não passam de passageiros de uma das naus de uma frota inumerável. A terra se infla de novos espaços, a história se projeta para novos futuros.
A Europa está sobressaltada, como enlouquecida por não ser mais só no mundo, mas circundada por espaços infinitos e impérios vislumbrados.
Quando Iñigo de Loyola vem ao mundo, em 1491, Erasmo tem 25 anos, Maquiavel vinte e dois, Copérnico dezoito, Michelangelo dezesseis, Thomas Morus onze, Lutero oito…
No ano seguinte (1492), Cristóvão Colombo oferece aos soberanos católicos da Espanha, com a América, seu ouro e suas perspectivas ilimitadas, a supremacia mundial.
Os inventores do mundo do futuro estão a postos: Copérnico, Rabelais, Maquiavel, Leonardo da Vinci, Erasmo, Felipe II, Carlos V, Lutero, Calvino, Hernán Cortês, Francisco Pizaro…
“Raramente a humanidade teve a sensação tão nítida de viver os dias inebriantes de uma primavera repleta de promessas. Raramente conseguiu fazer brotar de si mesma tantos projetos arrebatadores misturados a tantos sonhos…” (Lucien Febvre)
É nesse contexto, onde quase tudo estremece ou germina, que entra em campo o filho dos senhores de Loyola. Ele não poderia deixar de contemplar de modo novo o próprio homem, seu lugar no universo e sua relação com Deus. A infância de Iñigo de Loyola pertence ao séc. XV, ainda marcada pela mentalidade feudal, mas já iluminada pela nascente alvorada do Humanismo, do Renascimento.
Sua juventude e idade madura entram em cheio no séc. XVI.
Tudo aquilo que o prendia à Idade Média (fideísmo amedrontador, cavalaria belicosa, as cruzadas em nome da fé, as tradições medievais…) cederá pouco a pouco sob o impulso das forças da modernidade que, sob as formas mais diversas, germinam ao seu redor.
Vivendo esse período de transição, não é de espantar que algo de medieval e cavalheiresco ainda palpite no coração de Loyola. Mas, como homem do Renascimento, o fundador da Companhia de Jesus era um homem orientado para a modernidade, era por natureza um inovador, marcado pela ânsia de superar o decadente ou caduco, infundindo-lhe energias vitais, quando possível.
Do seu tempo, Inácio tem a audácia dos descobridores e a coragem dos grandes capitães.
Uma nota característica: o heroísmo. Viveu constantemente sacudido pelo desejo do maior e do mais alto, cunhando a expressão “tudo para a maior glória de Deus”.
A passagem do Iñigo medieval ao Inácio moderno situa-se no seu regresso da Terra Santa, quando em 1524, perto de Veneza, decide “estudar”. Forma-se em Alcalá, a mais vanguardista das universidades da Espanha e depois em Paris, onde conquista o título de Mestre em Artes.
“Quando Inácio decide percorrer mil quilômetros de sua casa até a universidade de Paris, ele recomeça sua vida. Não se contenta em profetizar novos tempos, mas neles ingressa efetivamente, modesta e audaciosamente, pelo caminho de uma técnica. Ele experimenta o instrumento de sua época, corre esse risco real imposto pela novidade do presente, mas cujo porvir é desconhecido. Rompe com seu passado para encontrar Deus lá onde atuam seus contemporâneos. Compartilha da ousadia de seu tempo”. (Michel de Certeau).