15 – Inácio de Loyola, um homem para nosso tempo
Que pode oferecer a herança espiritual de Inácio de Loyola, cidadão do final do séc. XV e primeira metade do séc. XVI, para este nosso tempo marcado por uma mudança cultural que coincide com o início de um novo milênio?
Inácio era um homem livre. Amava e aproveitava a vida.
Arraigado apaixonadamente em seu tempo, em seu universo pessoal, em sua casa na região basca…
Cidadão de seu mundo, de um final de século e início de outro. Cidadão de um mundo de grandes certezas que inesperadamente se encontrou envolvido num processo de profunda transformação.
Inácio inicia a vida com dados e pontos de referência firmes, claros, estabelecidos: por idade e lugar entre os irmãos lhe toca ser membro do clero; cabe a ele também ir viver no ambiente da Corte.
Tudo está estruturado, previsto, conhecido de antemão… não há surpresas.
É o contexto histórico de Inácio. Um mundo “solucionado”: os estratos da sociedade, os valores, a hierarquia, as prioridades pessoais e coletivas, o que alguém podia e devia sonhar, o que podia alimentar como expectativas, o desejar possível e permitido, o lugar que era designado a cada um na sociedade; a teologia, a filosofia, o saber, o viver e o morrer; os ideais e as utopias. Era um mundo claro, situado, imutável, justificado.
Repentinamente a humanidade mergulha na aventura de saborear uma nova época, com entusiasmo e impulso apaixonados; também com angústia, temor e incerteza…
Inácio vive sua conversão precisamente nesse período em que o mundo ocidental entra numa nova época.
De nenhuma maneira ele estava preocupado em propor uma nova doutrina teológica nem uma ideologia.
Encontrou experimentalmente sua maneira pessoal de aprofundar na aventura do espírito: uma maneira de evangelizar-se e crescer na fé, de alimentar e fortalecer a dimensão interior para assumir a aventura de viver – na história comum e concreta – sua própria história como uma biografia de liberdade personalizada (como uma versão pessoal da liberdade feita história concreta através de opções, atitudes…).
Sistematiza o método e o propõe a outros (Exercícios Espirituais). O central de sua proposta não consiste no conteúdo doutrinal, mas nas indicações práticas do método de exercício para tocar, assumir e fortalecer as estruturas profundas e a dimensão interior da pessoa humana para “buscar e encontrar a Vontade de Deus”. A espiritualidade inaciana se fundamenta em “exercícios a fazer”.
Seu itinerário não é unicamente geográfico. Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Depois de ter posto materialmente seus pés sobre as pegadas de seu Senhor e beijar o solo que Ele havia pisado, Inácio compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de seu tempo.Desde então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém, abre-se diante de seus olhos, outro caminho.
Decididamente se volta para o mundo, esse borbulhar de acontecimentos sócio-político-religiosos, no qual reconhece o lugar da Encarnação.
Buscando considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio quer servi-Lo em toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está presente e ativo em todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a nada, seguro de que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do serviço.
Inácio contempla o mundo com Deus; longe de representar um espaço de tentações e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele a saudade de Deus e o sentimento de sua presença.
A partir de então, o mundo o aproxima de Deus e a saudade de Deus não o afasta do mundo.
Àqueles que desejam seguí-lo, Inácio lhes propõe um itinerário para “encontrar Deus em todas as coisas”: olhar a criação, acolher cada criatura e cada acontecimento como uma mensagem divina, aceitar a própria história e deixar-se levar por seu dinamismo.
Invadido por uma paixão que não lhe dá repouso, Inácio está presente em tudo, sem extraviar-se nunca na confusão das coisas. Tudo lhe interessa e lança-se a caminho sempre que se trata de servir a seu Senhor: os poderosos com suas responsabilidades, os pobres em seus apuros; os movimentos sociais, culturais, políticos e religiosos de seu tempo, que põem a Europa em efervescência, assim como os novos desafios do Novo Mundo apenas descoberto…
Inclusive a partir de 1541 até 1556, ano de sua morte, quando se instalou em Roma, continua sendo o peregrino que escolheu ser. A partir de seu pequeno quarto, continua estando presente em todos os pontos do mundo onde algo novo se prepara.
Sempre em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Inácio avança como homem livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos acontecimentos, pronto a servir a Deus ali onde O encontra.