26 – Silêncio:
do isolamento estéril à solidão enriquecedora
“Agora me tem junto a você” – disse Deus a seu fervoroso devoto – “e você não faz outra coisa que dar voltas em sua cabeça pensando em mim, falando sobre mim com sua língua e lendo o que os livros dizem sobre mim”.
– “Quando é que você vai calar e saborear minha presença?”
O silêncio supremo não tem nada de aniquilamento ou de vazio. Calamos externa e interiormente para que ressoe a voz do coração.
Buscamos a solidão para que brilhe a presença que a habita. “Nunca estou só com minha solidão!”.
O isolamento é… . O pânico de estar com os outros e o aborrecimento de estar consigo. . Um sistema de defesas contra a intrusão. . A desordem e a confusão interior. . O olhar enlouquecido. . O fechamento ao que nos rodeia. . As ruminações cíclicas, o palavreado inútil. . A negação de nossa fragilidade por medo de nova rejeição. . Momentos de agitação interiores e exteriores. |
A solidão é… . O retiro estratégico dos outros, para uma presença de si para si. . O recolhimento interior para preparar um lugar para si e para os outros. . A meditação aberta e tranquila sobre si mesmo. . O olhar sereno do monge. . A abertura para o outro mediante a intimidade consigo mesmo. . O silêncio habitado por seres apaixonados. . A aceitação profunda de nossa dependência e de nossa autonomia. . Momentos de tranquilidade onde se harmonizam as diversas partes de si mesmo. |
No país do descobrimento interior, a passagem do isolamento para a solidão só pode ser levada a termo pela própria pessoa.
Depende dela aprofundar-se até sua fonte interior; com coragem, penetrará na caverna interior, atravessando várias moradas; sua fé lhe conduzirá ao coração de si mesma, onde o diamante precioso revelará quem é ela e a que está chamada.
Somente através do silêncio profundo podemos nos sintonizar com a presença silenciosa de Deus.
Deus emerge do coração do ser humano, espontâneo e livre, como numa relação de amor, onde o outro é acolhido como o eternamente sonhado, imaginado, amado e esperado.
“O silêncio é um momento fundamental na práxis cristã. Sem ele a gente se mascara, se aliena, se deixa corroer pela viscosidade dos interesses mesquinhos, se dilui no diz-que-diz, se afoga na banalidade, se perde na superficialidade, se desintegra espiritualmente de tal modo que nosso interior fica um imenso vazio e esse vazio, tão comum à solidão dos que permanecem fechados em si mesmos, é que gera a angústia e o desespero”. (F. Beto)
Quando a pessoa chega ao silêncio e permanece nele, sente a Presença de Deus.
Tony de Mello nos diz: “O silêncio não é ausência de som, mas ausência do ego”.
O silêncio é vazio e plenitude ao mesmo tempo. É transparência, mistério…
Requer-se silêncio por dentro e por fora, silêncio capaz de transformar porque coloca a pessoa para além de suas capacidades.
A luz reflete-se num lago calmo e transparente. Somente no silêncio total, na quietude e harmonia do ser – corpo, mente, afetividade, coração – poderá refletir-se, na profundidade do ser, a verdadeira e autêntica realidade do ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus.
No silêncio a pessoa se abastece, recupera suas energias criativas, areja o espírito, avalia corretamente a realidade e, sobretudo, recobra o bom senso.
Nesse “espaço sagrado” emerge toda a nossa liberdade; somos todo intimidade. Aqui não há lugar para a farsa, para a trapaça. A intimidade revela a verdadeira identidade da pessoa.