19 – Por uma cultura do silêncio…
“… calar, calar em meio ao canto sem fim. Nada é mudo na terra:
feche os olhos e escute as coisas que deslizam, criaturas a crescer…”
(Pablo Neruda)
O silêncio é perigoso. No silêncio escutamos a voz da matéria e da vida.
A partir do silêncio podemos escutar a voz das coisas e a voz dos seres humanos, quando o nosso interior não está cheio de ruídos e da tagarelice do nosso próprio eu. O barulho interior ou exterior embota o ouvido e distorce a mensagem, fazendo-nos ouvir o que nós queremos ouvir e o que nos é imposto.
Para poder compreender as coisas que convivem conosco e escutar a música silenciosa da realidade cósmica, é necessário estar mergulhado no silêncio.
É imperioso aprender a escutar a incomensurável melodia das coisas e, para isso, urge aprender o silêncio.
É no silêncio que se revela a imponência da natureza, a humildade da vida e a dignidade de todos que mergulham nas dimensões nunca antes penetradas, nos amplos espaços do coração humano.
Assim o nosso silêncio se enche de vozes que convidam a descobrir o universo em toda a sua Verdade, Beleza e Bondade.
Do silêncio brota a comunhão, íntima e real, com o universo e com todos os irmãos.
Do silêncio nasce o contato com Deus e a possibilidade de uma profunda criatividade que, também a partir do silêncio, surge como necessidade em nosso viver.
Imersos nos acontecimentos do mundo contemporâneo, não só deixamos de nos assombrar diante das coisas que nos cercam, como nem sequer nos espantamos com a nossa falta de assombro.
Sem “assombro” desaparece a capacidade humana de apreciar a beleza do mundo, captar seu sentido.
O assombro e a admiração acompanham a existência do ser humano e não significam viver na avidez de novidades do sempre novo, e sim a capacidade para descobrir valores, inclusive naquilo que nos acompanha na caminhada do dia-a-dia, na cotidianidade.
É necessário descobrir o “novo” escondido no rotineiro, na repetição às vezes sempre igual de nossos dias. É possível “sentir e saborear interiormente” a vida e descobrir nela, o sentido das coisas.
Em uma época de ruídos atrevidos, tanto na cidade como em nossos lugares de “repouso”, torna-se mais do que necessário uma “cultura do silêncio”, que permita descobrir o nosso próprio interior, escutar a voz das criaturas e a voz do próximo.
Devemos estar abertos para aprendermos a escutar as “vozes do silêncio
Nos murmúrios interiores do coração, os sinais da presença viva de Deus.
É indispensável “fazer silêncio” para entrar em contato com a realidade, sobretudo para abrir espaço ao Outro dentro de nós, para acolhê-Lo, para ouvi-Lo e entendê-Lo. O silêncio é condição para que aconteça o encontro e haja escuta.
O silêncio fala do Deus incompreensível e surpreendente. Desperta em nós o gesto da prostração.
Fala, ainda, do sentido último da própria existência, das motivações mais profundas da vida que, só no absoluto da divindade, encontra sua razão definitiva de ser.
A palavra “silêncio”, por si só, pode significar um empecilho para muitos, porque sugere uma experiência negativa, a privação do som e da linguagem. Algumas pessoas podem temer que o silêncio da oração seja repressivo.
Mas a experiência e a tradição nos ensinam que no silêncio da oração a linguagem já completou a sua tarefa de nos transportar através de e para além dela mesma e de toda a dimensão da consciência mental.
Ao silêncio eterno nada é retirado nem tampouco ele nos priva de algo.
É o silêncio de amor, de aceitação incondicional, de gratuidade… Aí permanecemos com nosso Pai que nos convida a ficar, que gosta que aí fiquemos e que nos criou para aí estarmos.
“Deus vive sem falar. É a essência da quietude e somente aqueles que se aproximam d’Ele em silêncio podem ouvir uma resposta”.
Segundo Os 2,6 a solidão e o silêncio é considerado como estado necessário para uma intimidade com Deus, para uma atitude de abertura à sua presença.
“É preciso passar pelo deserto e ali permanecer, para receber a graça de Deus… Este deserto é profundamente suave para mim: é tão suave e sadio sentir-se na solidão, diante das coisas eternas! Sentimo-nos invadidos pela verdade. Por isto viajar e deixar esta solidão e este silêncio é tão penoso para mim” (Charles de Foucauld).