17 – O silêncio “habitado” constrói o ser humano
“Quem pratica o silêncio é um sentinela na fronteira do mundo”
(Thomas Merton)
O silêncio é um caminho que conduz ao “coração” do ser humano, habitado pelo Espírito Santo.
E na plenitude desta Presença inefável, ele descobre a verdadeira presença para si mesmo, para o mundo e para os outros.
A solidão silenciosa deve estar a serviço do encontro com Alguém que aí nos espera, não para uma estéril introspecção narcisista, mas para um diálogo de amor que nos põe em comunhão com todos os homens e com a terra inteira. É justamente esta solidão aberta que forjou as pessoas mais combativas, os pensadores mais criativos e os santos e santas mais audaciosos e ousados.
Somente o “silêncio habitado” é compatível com a estrutura e a vocação do ser humano. Se esta Presença de Deus não é mais reconhecida nem procurada, a solidão torna-se desumana.
É como que impossível amar o silêncio e viver tranquilamente certa solidão, sem “crer” na dimensão interior do ser humano e do mundo, sem ser aberto à Transcendência.
Conforme escreveu Françoise Dolto, a solidão pode ser a melhor e a pior das companhias:
“Amiga inestimável, inimiga mortal, solidão que reabastece, solidão que destrói… Leva-nos a atingir e superar nossos limites”.
A solidão assemelha-se ao fogo: pode aquecer ou destruir, purificar ou queimar, fazer viver ou matar…, a solidão pode ser uma sorte grande ou um perigo, um aguilhão ou um veneno…
Se o silêncio aspira à solidão e a solidão convida ao silêncio, seu encontro feliz não é automático. Sim, porque podemos causar muito barulho interior em pleno deserto e viver o silêncio no meio de uma multidão. Uma pessoa pode estar cheia de si e de seus problemas num lugar deserto, e ser totalmente disponível no centro do mundo.
O silêncio é mais do que retiro espacial: é atitude interior.
A experiência mostra que existem silêncios fecundos sem solidão, e solidões sem verdadeiro silêncio.
Somente a graça de Deus pode fazer da solidão um espaço de silêncio interior “habitado”, que abre as chaves da vida íntima da pessoa onde o Espírito murmura e onde Deus fala.
O silêncio “habitado” do deserto torna-se um momento privilegiado de maturidade humana e espiritual, mestre da verdade e do amor.
“Dizia a mim mesmo: ‘terei tempo de sobra para me esquivar, quando voltar à fria Europa.
Agora, deixemos agir o silêncio. É um grande mestre da verdade.
A estes grandes espaços de silêncio que cortam minha vida devo tudo o que há de bom em mim.
Pobres daqueles que não conhecem o silêncio!
Silêncio que corre como grande rio sem obstáculos, como torrente transbordante, igual!…
Com frequência, o silêncio veio a mim qual mestre muito amado, e parecia uma réstea de céu que descia sobre o homem, para torná-lo melhor. Em camadas imensas, ele vinha do céu, dos grandes espaços interestelares, de paragens tranquilas da lua fria…
Então, eu me detinha repleto de amor e de respeito. Porque o silêncio é também mestre do amor…
A ausência de ruídos é um grande repouso. Mas o silêncio é mais.
Foi lá que conheci minhas primeiras solidões verdadeiras, lá que, pela primeira vez, ouvi piedosamente as horas caírem no eterno silêncio do Deserto.
Nesta terra morta, onde jamais o homem fixou morada, parecia-me sair dos limites comuns da vida, avançar-me, hesitante e vertiginoso, pelas bordas da Eternidade”. (E. Psichari, “Les voix qui crient dans le désert)
“Escreverei um livro ao silêncio… Vigilância de Deus sobre nossa febre, manto de Deus sobre a agitação dos homens. É bom que encontres Deus, que é silêncio no eterno…
Silêncio, porto do navio. Silêncio em Deus, porto de todas as naus…
E que comece o amor somente lá onde não há mais dom a esperar. O amor, antes de tudo, é exercício de oração e a oração é exercício do silêncio… Recolhendo um dia tua criação, Senhor, escancara-nos tuas portas e faze-nos penetrar lá onde não mais haverá respostas; porém, beatitude, que é a chave da abóbada das questões e face que satisfaz” (Saint-Exupèry, “Cidadela”)