16 – O silêncio é eloquente
“Me dê um silêncio. Eu vou contar”.
É ruidoso o mundo em que vivemos. Há demasiadas máquinas de fazer barulho: telefone, fax, rádio, TV, veículos, campainha…
Nosso cérebro habitua-se tanto à sonoridade excessiva que custamos a desligá-lo.
Vivemos cercados de palavras vãs, condenados a uma civilização que teme o silêncio.
Experimenta-se o medo de si mesmo; sentir-se ameaçado por si mesmo é uma forma de loucura frequente em quem, súbito, vê-se privado de sons exteriores. É como alguém preso no elevador. Não é a claustrofobia que amedronta. É o peso de suportar-se a si mesmo, entregue aos próprios ruídos interiores.
No antigo mundo rural, o silêncio era companheiro.
Não havia meios de comunicação e as distancias faziam do viajante solitário cúmplice do silêncio emanado da paisagem. A fé evocava a presença invisível de Deus.
O silêncio é a medida do amor. Só quem ama sabe curtir o silêncio.
O silêncio queima quando há muito o que falar atravessado na garganta.
Se a presença do outro incomoda, o silêncio pesa toneladas. E, na falta de diálogo, corre-se o risco de explosão. As palavras multiplicam-se, sôfregas, na tentativa de aliviar a tensão.
O silêncio não é o contrário da palavra. É a matriz.
Talhada pelo silêncio, mais significado ela possui.
Os monges nutrem-se de silêncio.
Nos mosteiros e desertos aprende-se a gostar da solidão, ouvir a voz interior, estar só para sentir-se intimamente acompanhado, tapar os ouvidos para escutar e auscultar Aquele que faz em nós sua morada. Enfim, fechar os olhos para ver melhor.
O silêncio constrange quem não sabe acolhê-lo.
A meditação/contemplação é a escola do silêncio.
Como nossa cultura é avessa a essa prática, tememos fazer calar as vozes exteriores e interiores.
Quem contempla sabe mergulhar no silêncio e enxergar o que não se pode ver à superfície.
Há pessoas tão densas de silêncio que, sem nada dizer, bradam alto.
O silêncio do sábio é eloquente, como o do santo é desafiador.
Ao se calarem, excluem-se da competição verborrágica. Por isso, sobrepõem-se aos demais. Guardam para si as pérolas que os outros atiram aos porcos.
Quem cala, consente? O sábio, “com sente”. Capta melhor o drama ou a alegria alheia. Compaixão.
Qual um radar, não emite sons e, no entanto, apreende o que se passa em volta.
O tagarela cansa os ouvidos alheios porque seu matraquear de frases ecoa sem consistência. Já o sábio pronuncia a palavra como fonte de água viva. Ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Nele, a Palavra de Deus é expressão amorosa e ressonância criativa.
A palavra pesa; o sábio valoriza a palavra, pois ele “fala pelo que faz”.
Saber calar, saber falar, é alcançar a sabedoria. Só quem conhece a beleza do silêncio, dentro e fora de si, é capaz de viajar por seu próprio mundo interior
Texto bíblico: Mt 6,5-15.
No Evangelho, Jesus recomenda não multiplicarmos as palavras na oração.
O Pai sabe de que necessitamos. Todavia, somos desatentos ao conselho.
Falamos de Deus, a Deus, sobre Deus. Quase nunca deixamos Deus falar em nós.
Uma história dos Padres do deserto conta que alguns irmãos foram ter com o abade Felix e suplicaram-lhe que lhes dissesse uma palavra. O ancião, porém, guardou silêncio. Após lhe terem suplicado durante longo tempo, ele disse-lhes: “Vocês querem ouvir uma palavra?”
Eles responderam: “Sim, abade!”
Disse-lhes o ancião: “Doravante não há mais palavra. Quando os irmãos interrogavam os velhos e faziam o que eles lhes diziam, Deus mostrava como falar. Mas agora, visto que interrogam sem fazer o que ouvem, Deus retirou dos velhos a graça da palavra e eles não mais acham o que dizer, pois não há mais trabalhadores.”
Ouvindo estas palavras, os irmãos gemeram e disseram: “Reze por nós, abade!”