4 – As lutas do silêncio
“Abre a boca somente quando estás seguro
que aquilo que estás para dizer é melhor que o silêncio”
(Provérbio árabe)
O silêncio nem sempre é caminho fácil, balizado, rumo ao repouso do coração e ao encontro com Deus.
O silêncio é também um lugar de luta, por vezes penosa, contra os obstáculos, as forças do mal, em seus múltiplos aspectos. Impossível embrenhar-se nas trilhas do silêncio sem se defrontar, mais cedo ou mais tarde, com esta luta interior.
Exemplo disso é a agonia de Jesus no Getsêmani. Luta em que Ele conheceu a terrificante solidão do homem abandonado por todos, o sentimento tão profundamente humano da angústia.
“Tomado de angústia, Ele reza mais intensamente” (Lc 22, 38-46).
Jesus assume esta condição do ser humano, quando o silêncio deixa de ser aquela doce intimidade filial e transforma-se num grito de revolta.
Silencio escandaloso da “ausência de Deus”. Clamor sem eco, na noite escura.
Jesus continua a orar a seu Pai e, pouco a pouco, passará do medo visceral, da recusa, à confiança.
Se Deus é Palavra, Ele é também silêncio! Não aquele silêncio que envolve e prepara a Palavra, mas um silêncio que muito se assemelha a uma aparente ausência.
Silêncio incompreensível que suscita uma prece angustiada nos salmistas.
“Ó Deus, não te cales, não fiques mudo e imóvel, ó Deus!” (Sl 83,2)
“Deus de meu louvor, não te cales, pois uma boca maldosa e traiçoeira abriu-se contra mim” (Sl 109,2).
“Até quando, Senhor, pedirei socorro e não me ouvirás? Por que silencias, quando o ímpio devora o justo?” (Hab 1,2-13).
“Javé, até quando me esquecerás? Para sempre? Até quando esconderás de mim a tua face” (Sl 13,2).
O drama de Jó tornou-se a mais conhecida ilustração da desgraça inocente que interpela o silêncio de Deus. “Clamo por ti, e não me respondes; insisto e não te importas comigo?” (Jó 30,20).
Como viver este escândalo do silêncio de Deus?
Nossa solidão será por vezes este tempo misterioso da lavra e da sementeira, durante o qual o Espírito molda pacientemente nosso ser de eternidade.
Silêncio de gestação – silêncio do homem novo para uma nova terra!
Silêncio do sábado santo, na expectativa da Páscoa!
Silêncio do despojamento de nossos próprios bens, de nossos projetos passageiros, para acolher as riquezas imperecíveis de Deus.
Silêncio do “velho homem” que morre e do filho de Deus que renasce.
Silêncio do grão de trigo lançado na terra, antes de se tornar nova espiga.
Silêncio da crisálida que prepara o voo da borboleta.
Porque jamais houve vida sem crescimento, nem crescimento sem transformação, nem transformação sem morte. O silêncio será sempre, ao mesmo tempo, mistério de morte e de renascimento.
Sim, Deus por vezes parece calar-se!
Mas não será este silêncio outra maneira de respeitar a liberdade do ser humano, maneira de convidá-lo a aprofundar seus anseios, a dilatar seu horizonte?
Se o Amor se faz, por vezes, silêncio, não será este ainda, uma palavra de revelação?
Talvez seja este o momento em que o Criador convida-nos a iniciar uma nova etapa de nosso crescimento espiritual. Através desta solidão “desértica”, o Espírito conduz-nos à etapa seguinte, a uma nova atitude, mais verdadeira, diante de Deus.
Silêncio temível que purifica nossa necessidade visceral de “possuir”, de “apegar-se”…
Tempo de deserto! Necessária aridez que lança suas raízes na humildade e no abandono de nossa fé.
Noite do coração e do espírito em que a pessoa põe-se a duvidar de tudo. Silêncio terrível. Noite da fé.
Diante desse Deus que se cala, somos convidados a um verdadeiro êxodo pascal.
Viver nossa Páscoa é também “crucificar” todos os nossos conceitos de Deus para acolher um “Deus sempre maior”, uma aliança gratuita.
O silêncio de Deus é uma espécie de palavra não pronunciada que nos leva a aprofundar, a purificar o conteúdo de nossos desejos, a alargar o horizonte de nossas necessidades, a acolher a gratuidade de Sua própria Vida.