2 – A música do silêncio
“O silêncio eterno desses espaços infinitos me assusta”
(Pascal)
Temos de reconhecer que os espaços de silêncio tornam-se cada vez mais raros na vida diária.
Privado do silêncio, o ser humano corre o risco não somente de viver na periferia de si mesmo, mas também de reduzir todas as relações humanas a frias e superficiais convenções sociais.
O silêncio é reverência diante do mistério da Criação.
Os místicos da Igreja escreveram que o homem, microcosmo do universo criado, podia ouvir, no silêncio de sua alma, a música harmoniosa de toda a Criação.
O universo cósmico é imensa sinfonia onde cada criatura, animada ou inanimada, executa sua partitura para a maior glória do Criador.
“Antes que todas as coisas existissem, havia o silêncio. E então, repentinamente, “ex nihilo”, uma Palavra foi ouvida, e o mundo começou…”
“Deus era a Palavra e a Palavra estava com Deus. Este é um problema demasiado sério para ser largado nas mãos de uns poucos ignorantes…” (Guimarães Rosa).
A 1ª fase da aprendizagem do silêncio consiste, muitas vezes, em reaprender a captar estas mil e uma notas que compõem a música do silêncio.
O silêncio é uma escola de aprendizagem, ou melhor, de reeducação de nossas faculdades de atenção para captar os sons da Criação. Espontaneamente, não somos atentos às coisas e aos seres e devemos aprender a deixá-los existir antes de querer explicá-los ou utilizá-los: olhar e escutar (uma árvore, uma flor, uma pedra…). Deixar que o objeto exprima-se no silêncio. Deixá-lo “falar”.
Escutar a voz do silêncio. Silêncio das montanhas; silêncio de um crepúsculo; escutar a lamúria do vento, o canto da cigarra, os ruídos familiares da rua ou de casa… que não rompem o silêncio, mas tecem-no. Somente o barulho agressivo pode rompê-lo.
“No princípio a Palavra. Depois, o Universo. Espelho de Deus. A Palavra assumindo visibilidade. Universo. Uni-verso. Não é o universo que é o sentido da Palavra. É a Palavra que é o sentido do universo. O sentido do universo é o verso que jaz escondido, não falado, dentro do seu silêncio. Deus pronuncia a Palavra e um universo apareceu, como objeto de amor: um jardim, paraíso”. (Rubem Alves)
Antes de tudo, é preciso procurar o tempo de parar.
Tempo de purificar os ouvidos, de desintoxicar-se dos ruídos…
Deixar-se penetrar pelas sonoridades, pelo colorido dos sons. Quem já não sabe ouvir a música da Criação, tampouco saberá ouvir os outros e, ainda menos, o silêncio de Deus.
O silêncio prepara a qualidade de nossa presença ao outro e a profundeza do encontro.
O silêncio é escola de respeito. Respeito à Criação. Respeito ao ser humano…
O silêncio é um pedagogo que nos ensina a escutar.
Escutar a música da Criação, para dela captar a secreta harmonia.
Escutar nosso coração, nossa consciência, para melhor nos conhecer e dirigir nossa vida.
Escutar as pessoas, para enriquecer-nos com sua diversidade e amá-las melhor.
Escutar Deus, sua Palavra interior, seu Espírito que fala em nosso coração, para comunicar-nos Sua Vida.
Escutar, mas também sentir, tocar, ter contato com a matéria bruta (amassar a terra, andar descalço, sentir o aroma, acariciar uma pedra…).
O silêncio nos ajuda a rezar com os sentidos (“aplicar os sentidos” EE).
Tudo pode tornar-se escola de observação, de presença à natureza, aos outros e a si mesmo.
Primeira etapa que precede os outros níveis do silêncio.
Na oração: O silêncio, para um cristão, não é uma situação e sim uma “qualidade do coração”; nunca é isolamento ou fuga, mas atenção nova a uma Presença que invade tanto as solidões do deserto quanto as relações humanas. Ele descobre que o silêncio é o espaço espiritual que aprofunda as verdadeiras relações humanas; relações que já não precisam de palavras, fontes frequentes de mal-entendidos.
Textos bíblicos: Eclo 43; Eclo 28,15-30; Tg 3,1-12.