À sombra do silêncio
Para muitas pessoas, o silêncio é algo que dá medo; e por isso mesmo costuma-se evitá-lo. Provavelmente porque nele, antes ou depois, aflora tudo aquilo que lhe dá medo, aquilo que reprimiu e procurou esconder, ou seja, as próprias sombras. Com medo de ver quem, ou o que é, adia-se o enfrentamento com seu interior sem máscaras.
Por detrás de toda desculpa para evitar o silêncio consigo mesmo, sempre há medo do mundo interior.
No silêncio, estamos “dando permissão” a nosso inconsciente para que nos entregue o que guarda. É lógico, portanto, que venha à superfície o que era subterrâneo.
Sem sombra de dúvida, vivemos uma cultura do ruído, na qual parece que precisamos aturdir-nos para que outras vozes e outros vazios nos passem despercebidos. Porém, com tudo isso, continuamos afastando-nos mais de nós mesmos e passamos a viver na superficialidade.
No entanto, precisamos descobrir o silêncio como fonte sempre nova de vida; ele tem uma função terapêutica, pois traz ordem para o caos interior de nossas emoções e de nossa agressividade.
O silêncio se revela como modo e lugar de acesso à nossa verdadeira identidade. Só descobrindo-o e apoiando-nos nele, enfrentaremos, eficaz e jubilosamente, a superficialidade e o vazio… e começaremos a nos transformar.
É através do silêncio que temos a sorte de ir conhecendo os aposentos escuros de nossa casa para que, graças à sua aceitação e ao trabalho de integração desses aposentos, possamos crescer como pessoas “completas”, interiormente pacificadas e socialmente eficazes.
Silêncio “faz pensar”, remexe águas paradas, trazendo à tona o que nos desconcerta.
Se aprendemos a silenciar, descobrimos, em nós mesmos, regiões nem imaginadas, questões fascinantes, é aceitação do que somos, também dos entulhos que ressoam no fundo do coração.
O silêncio não reprime as emoções e sentimentos negativos, nem esconde as sombras, mas transforma-os em companheiros no caminho para Deus. O silêncio nos proporciona ter acesso ao lugar sagrado, onde os medos, raivas, depressões… não nos alcançam; é ali que se encontra o tesouro precioso, a verdadeira dimensão de nós mesmos, a imagem que Deus fez de cada um de nós. Quando calamos os nossos instintos, medos, inseguranças, frustrações… escutamos o sacrário do nosso coração. Muitas de nossas sombras são integradas nesse processo silencioso.
O silêncio ajuda a descongestionar e a descondicionar o nosso olhar e a limpar o nosso coração; abre e alarga espaços, onde tudo tem a liberdade de ser o que é. Não é um vazio, mas uma dimensão sem fronteiras e a força de nossa vida interior.
A busca do silêncio é grande, tal como é grande a busca de plenitude. Trata-se de um “silêncio de qualidade”, porque não se trata unicamente da ausência de ruídos, mas de um silenciar as vozes interiores de todo tipo, para chegar – transcendendo pensamentos, sentimentos, afetos, desejos, emoções – a uma experiência direta do Silêncio como vida e plenitude.
Entendido dessa maneira, silêncio é sinônimo de “presente”.
Viver esse silêncio é a condição de viver o presente. Nele se “dissolve” todo pensamento e sentimento.
Esse silêncio nos liberta do ruído de nossos pensamentos e, em última análise, da tirania de nosso ego. No silêncio chegamos à nossa verdadeira identidade que, sem dúvida, não é o “eu” ao qual vivemos apegados.
Esse é o silêncio que nos re-situa, libertando-nos das tormentas mentais e sensíveis, resgatando-nos de poços escuros e de labirintos sem saída, para conduzir-nos misteriosamente ao lugar em que experimentamos gratuitamente a vida em todo frescor, lugar que nos devolve a paz interior e a alegria de viver, permitindo-nos descobrir nosso verdadeiro rosto.
Perpassado pelo “sopro de vida”, o silêncio é processo capaz de fazer apaziguar um “eu” distorcido e perdido nas buscas vazias; ele possibilita um encontro regenerador com nossas “sombras”.
“Tornar-se silêncio” é estar à escuta deste “sopro interior” que nos habita, desta brisa leve que nos tornará mansos e humildes de coração.
À sombra do silêncio, toda sombra tem algo a nos revelar. O silêncio que brota da humildade permite a receptividade, o acolhimento, a compreensão e a empatia de tudo aquilo que nos pesa e perturba.
“Eu vejo o mundo assim como eu sou” (Paul Elvard). A voz que vamos captar em nosso silêncio depende da qualidade do silêncio preparado para acolhê-la. Por trás do silêncio, esconde-se, portanto, uma atenção capaz de discernimento, e que desemboca numa ação eficaz e ousada.