“Nosso modo de trabalhar”
“Não deixe que o trabalho sobre a mesa tampe a vista da janela”
Estamos mergulhados numa lógica de mercado que não nos deixa perceber que o mais grave no mundo do trabalho é a desumanização; aflora, nesta situação, toda a negatividade do trabalho como experiência de exploração, frustração, medos, fadigas, falta de sentido…
Todos conhecemos pessoas que perderam a saúde e a alegria de viver pelo fardo do trabalho.
Por tudo isso, o trabalho é um dos espaços que mais precisa ser humanizado e evangelizado.
Precisamos alimentar uma outra relação com o trabalho no sentido de assumi-lo como cooperação com o Deus trabalhador e com tantas pessoas tocadas pela sua graça. Uma relação que permita nos distanciar das cargas, ativismos, tarefas estressantes… e viver o trabalho com humor e criatividade.
Uma relação que nos ajude a desfrutar do trabalho, apesar da sua intensidade.
Poderíamos assumir um tipo de trabalho mais semelhante ao do artista, que se esmera em sua peça musical, literária ou pictórica, mas que se enriquece e se expande na sua obra.
Por meio do trabalho poderemos conhecer nossa própria interioridade projetada sobre a obra e, ao mesmo tempo, a obra realizada torna-se o espelho do nosso próprio rosto; contemplar-nos a nós mesmos no trabalho realizado e, com júbilo, podermos exclamar como o Criador: “E viu que era bom!”
Nesse sentido, o melhor seria chamar o trabalho de “labor”, e o ato de trabalhar de “elaborar”.
O ser humano se elabora como tal, ao mesmo tempo que elabora a natureza. Ele luta, cansa-se, afadiga-se, esforça-se, esmera-se… mas o trabalho o rejuvenesce, fornece-lhe energia e entusiasmo, alegra-se com o fruto… Ele vive e delicia-se do e com seu trabalho.
Com isso, o trabalho deixa de ser suportado como um mal menor, como se fosse uma carga inevitável que unicamente proporciona os meios necessários para sobreviver. De fato, a verdadeira vida não se limita ao descanso do final de semana, dos feriados prolongados, das férias… O ser humano revela-se “pessoa” no ato criativo. “Trabalhar descansadamente”, eis o desafio.
A sociedade atual reclama de nós formas de vida que revelem como é possível desfrutar da beleza do trabalho. A grande questão está em promover um ritmo de vida que garanta a maturidade profissional, o crescimento espiritual, o discernimento, a união com Deus, o espírito de comunhão, o trabalho partilhado.
Na espiritualidade cristã buscamos a inspiração e o sentido para o trabalho cotidiano; como cristãos, deveríamos ser capazes de evangelizar a sociedade precisamente naquilo que nos é mais característico: sem afastar-nos dela, mostrar um jeito sério e comprometido de trabalhar, mais humano e evangélico.
Evangelizar o mundo do trabalho significa escutar o Criador que nos convida mais à fecundidade (criatividade) do que à eficácia. Convém não confundir uma com outra. Enquanto a eficácia quebra as pessoas e não respeita as comunidades, a fecundidade/criatividade acomoda-se aos ritmos naturais e faz crescer a comunidade. “Sede fecundos!”, convite do Criador que continua ressoando em nosso interior.
Alimentados e alicerçados na certeza de que o “ruah” (Espírito) paira sobre as águas da criação e da história, poderemos mergulhar no ritmo da criação e re-criação da Vida verdadeira que Deus quer para seu povo, sem que a angústia do ativismo nos devore e nos paralise.
O problema, portanto, não é a sobrecarga como tal, mas como encará-la de maneira discernida e inteligente, de sorte que o acúmulo de trabalhos não nos torne, paulatinamente, militantes da generosidade doida, desenfreada, de vidas esmagadas por um ativismo desumano.
A presença de Deus no mundo é ativa e dinâmica: Deus ama atuando em nossa história. Tudo está sendo construído e reconstruído por Deus. Deus trabalha em todas as coisas. Ele é a força inesgotável de onde brota todo o trabalho do mundo. Deus continua fazendo tudo novo.
Diante do “Deus trabalhador” o ser humano responde com um trabalho criativo; ele se sente chamado a trabalhar a serviço do Senhor, para sua maior glória.
Esta é a espiritualidade da colaboração, ou seja, o trabalho é a colaboração do ser humano ao Deus trabalhador; pelo trabalho a pessoa está louvando o Pai, está salvando o mundo e está crescendo em graça.
Louvor sem trabalho é alienação;
Trabalho sem louvor é escravidão.
Trabalho que se faz com amor;
Amor é servir, trabalhar: trabalhar com a mesma intenção de Deus; trabalhar com Deus na mesma direção, fazendo as mesmas obras que Deus está fazendo, ou seja, aperfeiçoando a Criação.
Encontramos aqui o fundamento para uma teologia do trabalho: toda atividade seja ela qual for, é redendora, se a motivação é evangélica, se ela está orientado para o Reino.
Não é o trabalho que nos faz importantes, mas somos nós que fazemos todo e qualquer trabalho ser importante, quando ele é realizado na perspectiva do Reino de Deus. Todo trabalho é nobre, seja ele o de cinzelar estátuas ou o de esfregar o chão.
A alegria do trabalho está no fato de perceber o sentido e a intenção presentes nele: para quê? para quem?
O que importa é a atitude. E a atitude que ajuda e que salva é “fazer o que precisa ser feito”, com entrega sincera àquilo que se faz. A identificação com aquilo que fazemos é o caminho para a paz interior.