Filme: O Marido da Cabeleireira
Por Luiz Joaquim
Antoine e o amor da infância
Se pudesse resumir em uma frase, de forma satisfatória, o filme O marido da cabeleireira (Le Mari de la Coiffeuse, França, 1992), talvez essa frase dissesse o seguinte: a história de um homem sensível que sempre sonhou em casar-se com sua infância. Mas como nenhum punhado de palavras é satisfatório o suficiente para explicar um filme (as vezes um livro inteiro não o é), é preciso colocar outros argumentos para você perceber que essa obra de Patrice Leconte é um verdadeiro tesouro escondido nas locadoras.
Primeiro o argumento: Antoine é um garoto (Roland Bertin) que, ao contrário dos outros, adora cortar o cabelo. Mas suas visitas a cabeleireira do seu bairro têm um outro motivo. Antoine nutre uma paixão impossível pela solitária mulher que ganha a vida, literalmente, fazendo a cabeça dos homens. A partir daí promete-se que um dia terá uma cabeleireira como esposa. Quando adulto (interpretado por Jean Rochefort), já entrando na meia-idade, ele conhece Mathilde (Anna Galiena, de Jamom, Jamom). A mulher pela qual vai depositar o amor contido de toda uma vida.
O que teria de interessante de se ver na história de um homem determinado a casar-se com uma cabeleireira? O homem. Antoine é um personagem iluminado pela alegria daqueles que são perseverantes e que, por isso, conseguem alcançar seus sonhos. Além do prazer de se ver essa grata alegria em um personagem, o diretor Leconte vai nos alimentando, aos poucos, com as lembranças da infância, tão determinante na vida de nosso “herói”.
É impossível evitar a empatia por uma das descobertas marcantes de sua época de garoto. Enquanto o moleque Antoine brinca na praia com os amigos, a voz do Antoine adulto revela como ele descobriu a consciência dos seus órgão genitais. Outro momento delicioso em O Marido da Cabeleireira será sempre aquele em que seu protagonista resolve expressar sua felicidade praticando uma coreografia inusitada ao som de melodias árabes.
Dosando-a com flash-backs na hora exata, Leconte conduz sua obra com uma delicadeza constante. Ele soube registrar, com maestria, como funciona a descoberta do erotismo, misturado com paixão platônica, na cabeça de um rapazinho entrando na adolescência. Curioso: Antoine também é o nome do personagem alter-ego de François Truffaut em Os Incompreendidos, Amor aos vinte anos – Antoine e Colette, Beijos Proibidos, Domicílio Conjugal e O Amor em Fuga. Terá sido apenas coincidência? Uma coisa é certa: O Marido… é um filme que esse ícone da Nouvelle Vague certamente gostaria de ver. Tem mulheres e crianças muito bem tratadas.
Com bastante simplicidade e competência sua câmera vai trazendo as imagens de Mathilde, aos pedacinhos, nos dando a sensação exata do quanto a moça é bela e digna de admiração. E como o diretor Leconte foi feliz na concepção de representar a alegria de um homem sensível quando descobre que é correspondido pela mulher amada. Afinal de contas, quando se recebe uma notícia dessas, a gente volta a ser criança. Se você duvida, passe numa locadora e pegue O Marido da Cabeleireira.